sexta-feira, 14 de junho de 2013

Ct 2.15 APANHAI-ME AS RAPOSINHAS



Introdução:


O que significa esta expressão quando olhamos o contexto do livro de Cantares? Que mensagem figurativa estas raposinhas nos trazem?
O texto afirma que elas devastam os vinhedos, e são uma grande ameaça às vides em flor. Elas destroem as flores, símbolo da alegria e da graça, e ainda prenunciam outro desastre maior: Eliminam a possibilidade de colheita, já que das flores surgem os frutos. Estes "pequenos invasores" são, portanto, altamente destrutivos, precisam ser localizados e pegos. Não podem andar em liberdade caso contrário destruem as vides em flor, causando grandes males.
No contexto de Cantares, e a partir dele, gostaríamos de falar de algumas destas ameaças destrutivas que rondam nossas casas.

  1. Sistema Social – Esta é uma das grandes ameaças que percebemos no texto, e uma das grandes ameaças de hoje. A Sunamita é retirada da casa de seu pai, e Salomão paga os mil siclos, que era o valor do penhor dado à família (Ct 8.12). Literalmente ela é vendida num mercado de competição, numa sociedade inescrupulosa. A família, também, ao mesmo tempo que é vítima de um sistema, reproduz este sistema, aceitando a troca.
No contexto de Cantares, e a partir dele, gostaríamos de falar de algumas destas ameaças destrutivas que rondam nossas casas. Existem pecados endêmicos, sistêmicos e estruturais na sociedade, que afetam gerações, como podemos perceber em Sodoma e Gomorra, quando o texto nos diz que "velhos e jovens", queriam participar de uma bacanal. Aquele comportamento transcendia o limite de um ato de vandalismo isolado, e fazia parte de uma sociedade como todo. São comunidades que perderam o conceito de valor (Ex Gn 19.4).
O “peer pressure”, o conteúdo didático, a cultura, tornam-se grandes ameaças à unidade, alegria e prazer do casamento, destruindo as vides em flor. Precisamos estar alertas contra a força da cultura que nos rodeia. É importante lembrar que quando o homem pecou, toda sua mente, valores e cultura, também caíram. Vivemos numa sociedade pervertida e corrupta, que nos pressiona a reproduzir o modelo que ela mesma criou.
Vejamos como o sistema opera no texto:

q       A força dos poderosos – Com sua capacidade de comprar, dispor, negociar (Ct 8.12). Numa sociedade capitalista, o dinheiro passa a ter um poder quase absoluto, e precisamos aprender a resistir à sua força, e destruir seu poder idolátrico que é exercido sobre nós, seres caídos numa sociedade caída.

q       A fragilidade das famílias – A família da Sunamita permite que sua filha seja vendida e trocada como mercadoria. Ela é negociada para atender a um sistema e assim, entregue a Salomão, mesmo que pessoalmente se sinta impotente e massacrada como revela no início do livro de Cantares. “A vinha, porém, que me pertence, não a guardei” (Ct 1.6). Sua afirmação revela sua tristeza e incapacidade de fazer alguma coisa.

q       O conceito da comunidade – expresso nas “filhas de Jerusalém", (Ct 2.7; 3.5; 5.8) que vivem no harém do rei (Ct 1.4) e que não apenas aderiram ao modelo social, achando a atitude do rei como normal, mas que tentam exercer pressão, mesmo diante das seguidas afirmações da sulamita para que não forçassem o amor, até que este brotasse naturalmente.

Vivemos realidades semelhantes hoje:
q       Pressão da mídia: Que insiste em nos fazer concordar, aceitar e até mesmo agir de acordo com aquilo que julgam ser eticamente correto. Somos diariamente bombardeados a crer que o homossexualismo é normal e eventualmente deve ser até encorajado; revistas bombardeiam nossas crianças e jovens a terem sexo cada vez mais precocemente, provocando uma erotização de nossa cultura. O sexo pré conjugal e a perda da virgindade são não apenas aceitos, mas estimulados. O mesmo atinge a família com o bombardeio contra sua santidade, e encorajamento ao adultério.

q       Valores familiares em crise: Pais não sabem mais o que é certo. Tudo é relativo, circunstancial. Os filhos vivem no meio de uma sociedade que pressiona, a família desorientada. Não há limites para a sensualidade e quebra de decoro. Músicas e artes conspiram contra tudo aquilo que até bem pouco tempo atrás era considerado decoro. Recentemente uma pessoa esteve numa festa de rodeio, e um cantor chegou no palco e disse para estimular a platéia: “Quem aqui já adulterou hoje?” e obtendo uma resposta quase unânime de apoio.

  1. Falta de fidelidade -  Esta é a segunda “raposinha” que devasta o vinhedo em flor, que rouba a alegria de uma casa, e que mata a possibilidade do surgimento de frutos maduros: Trata-se do adultério, que apesar de ser tão corriqueiro em nossa cultura, traz grandes depressões, dores e stress numa família. Quem viveu com a realidade da infidelidade dentro de casa, e teve que ver discussões, ameaças, dores, culpa e raiva por causa da traição, sabe muito bem do que estou falando.

Em Cantares vemos:
q       A angústia da sulamita: Existe uma oposição entre a tristeza revelada no texto inicial de Ct 1.6, com a alegria dela no final do livro (Ct 8,10,12). Este paradoxo intencional aponta para uma dialética. O livro possui uma progressão e parece nos revelar que, apesar de toda pressão que ela enfrentou, ela foi tida por “digna da confiança de seu amado”.

q       O texto de Cantares exalta a fidelidade, faz críticas  ao sistemas e zomba da exploração. O amor é reservado (7.13), exclusivo, privado (4.12; 5.1) e o relacionamento é marcado por compromissos e uso símbolos (Ct 8.6). Tudo isto revela a importância de não permitirmos que a infidelidade norteie nossas relações.

Na verdade, uma das “raposinhas mais devastadoras” de um relacionamento é a infidelidade. Poucas coisas são tão nocivas à vitalidade de um casamento e a beleza do encontro de um homem como uma mulher.

3.       Falta de confiança, credibilidade e ciúme (Ct 8.6-7). A terceira ameaça que podemos encontrar passa por estas vias do ciúme e da desconfiança.
A idéia central de Cantares encontra-se nestes versículos: “Coloque-me como um selo sobre o seu coração; como um selo sobre o seu braço; pois o amor é tão forte quanto a morte, e o ciúme é tão inflexível quanto a sepultura. Suas brasas são fogo ardente, são labaredas do Senhor. Nem muitas águas conseguem apagar o amor; os rios não conseguem levá-lo na correnteza. Se alguém oferecesse todas as riquezas da sua casa para adquirir o amor, seria totalmente desprezado (Ct 8.6-7)
Uma das coisas mais bonitas em Cantares é a presença da confiança entre os cônjuges. O lamento dela em Ct 1.6 “A vinha que me pertence, esta não a guardei”, contrasta com o orgulho que sente ao afirmar: “Eu sou um muro, sendo assim, fui tida por digna da confiança do meu amado” (Ct 8.10). Ela se sente muito feliz em não deixar nenhuma sombra de dúvida sobre seu compromisso, fidelidade e amor.
Muitos casamentos são marcados por cenas de ciúmes, e atitude que geram duvidas sobre a seriedade do compromisso. O ciúme é descrito no texto como algo que é “duro como a sepultura”. De fato, ciúme possui uma anatomia complicada:

A.      Ele é muitas vezes causado por nossa própria infidelidade – Pessoas infiéis tendem a desconfiar do outro. Mesmo que sua infidelidade seja apenas no nível da mente. Desta forma, a insegurança que ela sente sobre si mesma, ela projeta no parceiro.

B.       Tentativa patológica de proteção e controle – Pessoas ciumentas acreditam que por estabelecer um sistema de vigilância vão conseguir controlar o outro. A verdade é que ninguém consegue controlar, nem impedir que a pessoa infiel se comporte assim. Uma hora, “baixa-se a guarda!”, e o infiel vai correr atrás de sua carniça!

C.      Resultado da nossa baixa auto-estima – Muitas vezes o ciúme decorre do fato de que achamos que o outro, por ser superior, ou mais bonito, nunca nos ama. Pessoas possessivas tendem a ter uma auto estima baixa.

D.      Insegurança real ou imaginária – Eventualmente o ciúme brota porque o outro deu motivos para se desconfiar, mas muitas vezes ele existe por causa de uma insegurança imaginária. Vemos fantasmas e criamos associações complexas que não tem qualquer sintonia com a realidade.

Em Cantares vemos muitas verdades sobre, lealdade, espera e perseverança no amor. O conteúdo literário do livro exalta o fato de que eles confiam um no outro. O amor não gera suspeita. Eles são tidos por digno de confiança!

4.       Perda do Romantismo – Em Cantares temos muita linguagem romântica, carregada de afeto. Em Cantares 2.10 vemos a afirmação: “O meu amado fala e me diz”. Percebemos aqui que a gíria “falou e disse” foi criada há muitos anos atrás. Quando se cultiva o romantismo, o casamento se fortalece. Mas a perda desta linguagem e atitude romântica torna-se uma das principais portas para o tédio, monotonia e indiferença no lar. E isto pode ser fatal para um relacionamento vibrante.
Uma das cantoras pops que mais aprecia é Barbra Streissand, Ela tem uma música cujo título é "You don't bring me flower, anymore". (Você não me traz mais flores!) É uma música muito triste mas que revela o fato de como a falta destes cuidados pode ser devastador para a alegria do casamento. Eu diria que esta é uma das “raposinhas que devastam os vinhedos”.
Quando somos namorados, nossa linguagem é toda cheia de cuidados, ternura, declaração de amor e paixão, mas com o passar do tempo, corremos o risco do marasmo e do distanciamento. Reconquistar esta dimensão necessária entre um homem e uma mulher, mantendo sempre a chama da alegria, é um dos grandes desafios que temos em nosso casamento.
A Sulamita afirma: “Se encontrarei o meu amor, que lhe direis? Que desfaleço de amor” (Ct 5.8). Esta declaração revela como o romantismo é preservado neste livro.

5.       Sensualidade pobre e vazia – Este é a quinta e última ameaça que podemos perceber em Cantares. O livro é carregado de sensualidade. A linguagem é rica e forte. Em Ct 4.16, logo após a declaração de exclusividade, intimidade e paixão que o amado e amante faz à Sulamita, podemos ver como ela reage: “Acorde, vento norte! Venha, vento sul! Soprem em meu jardim, para que a sua fragrância se espalhe ao seu redor. Que o meu amado entre em seu jardim e saboreie os seus deliciosos frutos” (Ct 4.16). Ela convida o amado para vir, e desfrutar dos frutos saborosos que “seu jardim” tem para lhe oferecer. Esta é uma linguagem sensual. Muitos lares padecem por causa de uma sexualidade pobre, e isto sempre abre portas para a desconfiança e a infidelidade.
A resposta do Amado, segue a mesma linha de desejo: “Entrei em meu jardim, minha irmã, minha noiva; ajuntei a minha mirra com as minhas especiarias. Comi o meu favo e o meu mel; Bebi o meu vinho e o meu leite. Comam, amigos, bebam e embriaguem-se, ó amados” (Ct 5.1). Ele não apenas afirma que aceitou o convite de sua amada, mas que não hesitou em “comer o favo com o mel”. Definitivamente uma linguagem sensual e erótica.
Em muitos lares, cristãos e não cristãos, falta esta celebração do encontro do homem com sua mulher. Sensualidade pobre é uma grande ameaça!
Veja a exortação da Palavra de Deus no livro de Provérbios: Seja bendita a sua fonte! “Alegre-se com a esposa da sua juventude. Gazela amorosa, corça graciosa; que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer, e sempre o embriaguem os carinhos dela” (Pv 5.18,19).Uma casa onde marido e mulher fazem sexo com alegria e prazer, tem muito pouco espaço para a infidelidade e a monotonia.
Quando há riqueza sexual dentro do casamento, como vemos em Cantares (Ct 8.3), não há necessidade de buscar fora (Pv 5.15-21).

Conclusão:

Neste livro o nome de Deus não aparece. Certamente existe alguma coisa intencional nisto. O que está acontecendo?
A presença de Deus é percebida da forma sensível como a ternura, o cuidado, os valores estão presentes. Deus é percebido não com discurso, mas com a prática de amor. Quando trazemos Deus para nossos relacionamentos interpessoais a sua fragância se revela em nosso viver.
Alguém levantou a idéia de que para que uma pessoa fosse batizada na igreja, nossa preocupação não deveria ser tanto teológica, mas ligadas aos afetos. Muitos aprendem muita coisa sobre Deus, mas não sobre a vida e sobre a família.

Gostaria de concluir fazendo dois apelos:

1. Para aqueles que ainda não receberam a Jesus em suas vidas- Abra o seu coração para que ele entre, a vida cristã começa com a presença de Deus em nossas vidas, quando o recebemos em nossa história.

2. Perdão, enternuramento, celebração, sexualidade e alegria, para aqueles que receberam Jesus mas ainda vivem uma vida pela metade. Deus tem um propósito maior para sua vida, e gostaria de sugerir que sua vida e alegria se revelasse em sua casa, numa vida de paixão, celebração e amizade.



Palestra preparada no El Rancho