segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Lc 18.1-8 O Juiz Iníquo



Introdução:

Esta parábola aparece apenas no Evangelho de Lucas. A parábola do fariseu e publicano vem logo a seguir, e Jesus a contou com o objetivo direto, descrito por Lucas: “Disse-lhes Jesus uma parábola sobre o dever de orar sempre e nunca esmorecer” (Lc 18.1). O objetivo de Jesus, nas duas parábolas, era falar sobre oração.
Jesus usa o exemplo de uma viúva. A realidade social dos órfãos e viúvas era muito dura nos dias de Jesus. Os homens viviam muito pouco, na maioria das vezes. Para termos ideia da brevidade da vida, a média de idade do homem na Idade Média era de apenas 32 anos. Guerras, epidemias, ausência de antibióticos, cirurgias e remédios adequados eram fatais. Quando se tornavam viúvas, as mulheres ficavam desprotegidas, pois não tinham quem as pudesse sustentar. Basta olhar para a Igreja Primitiva e perceber que a primeira grande tensão que surge na comunidade apostólica, envolve a questão do socorro às viúvas (At 6.1-6), e por esta razão instituiu-se o oficio diaconal.
Em Israel havia leis especificas para as mulheres:
                Dt 10.18 – Deus se identifica como aquele que faz juiz ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e vestes.
                Dt 27.19 – “Maldito aquele que perverter o direito do estrangeiro, do órfao e da viúva”.
                Nm 30.19 – Uma viúva possuía o mesmo status de um homem diante de um tribunal, enquanto as mulheres casadas não eram ouvidas.
                Sl 68.5 – Não defender a viúva era “brigar com Deus”.
Jesus, portanto, usa a figura de uma classe social que ocupava o último degrau social. Ela não tinha dinheiro, e infelizmente cai nas mãos de um juiz que era iniquo, isto é, não possuía equidade, justiça. Este juiz é descrito na Bíblia como um homem sem princípios, valores e sem temor a Deus. “Bem que eu não temo a Deus, nem respeito a homem algum” (Lc 18.2,4).
A viúva era o lado vulnerável deste relacionamento. A quem recorrer? Vemos alguém em situação de impotência e abandono. Seu pedido era especifico: “julgue o meu caso”, embora a Bíblia não descreva qual era a situação que ele enfrentava.
Qual arma esta mulher possuía? Simplesmente a insistência e perseverança.
Jesus chama a atenção dos discípulos para o argumento do juiz. “Considerai no que diz este juiz iniquo”. A Palavra considerai dá ideia de prestar cuidadosa atenção. Não olhar com negligencia este aspecto.
Parábola dos contrastes
Nesta parábola Jesus tenta ensinar aos seus discípulos por contraste. Ele usa o simbólico do juiz iniquo, para contrastar com o Deus justo. “Não fará justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora parece demorado em defendê-los?” (Lc 18.7).
Alguns contrastes:
1.       Deus não é uma divindade inatingível - Se o juiz que não considera ninguém, atendeu o clamor desta mulher, quanto mais o Senhor que vê todas as coisas e julga com equidade?

2.       O juiz não tinha qualquer relacionamento com a mulher. Seja ele comunitário, social e religioso, no entanto, o Deus da Bíblia é o Deus das Alianças, que possui um relacionamento de afeto com os seus “escolhidos” (vs 7). Ele tem interesse especial no seu povo (Ml 3.13-18)

3.       O juiz ouve pelo motivo errado. “Ver-se livre da importunação” (vs 5). Deus ama e defende a causa do seu povo, porque habita um alto e sublime trono, mas também com o contrito e abatido de espírito.
Questões hermenêuticas
Este texto levanta algumas questões hermenêuticas?
A.      Devemos buscar a Deus por insistência, e ele nos dará mesmo quando não quer dar?

B.      A oração pode mudar o coração de Deus?

C.      Se a oração não pode mudar o coração de Deus, será que ela pode mudar as circunstâncias? O teólogo reformado, J.I. Packer defende esta tese. “A oração não muda Deus, mas muda os eventos”. Qual a dinâmica entre estas realidades?

D.      A oração é ouvida e atendida pela súplica do orante (o que ora), ou porque faz parte dos planos de Deus? Cremos no poder da oração ou no poder de Deus?


E.       Considere a expressão do A. W. Pink – “O Deus que destina os fins, também estabelece os meios”. Isto é, o propósito de Deus é imutável: “Porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29), mas para o estabelecimento dos seus planos, Deus conta com as orações do seu povo. Jacques Ellul defende que o quinto selo, que são as orações dos mártires de Apocalipse 6.9-11 é um dos agentes da história. A história é impulsionada pelo clamor do povo de Deus.