terça-feira, 30 de maio de 2017

Crises e alternativas- Plantação de Igrejas na IPB

Crises e alternativas
Uma análise de Plantação de Igrejas na IPB
Estudo de caso
Rev Samuel Vieira


Introdução:
O Censo da Igreja Presbiteriana do Brasil (2008), foi publicado em parceria com o Ministério de Apoio com Informação e em colaboração com a Secretaria Executiva da IPB foi o primeiro levantamento denominacional protestante evangélico do Brasil, e, considerando a presença dos presbiterianos em solo brasileiro por mais de 150 anos, e com aproximadamente 750 mil membros, torna-se um documento interessante para  análise de crises e as alternativas sobre o grande desafio de plantar igrejas.
Como ponto de partida, podemos dizer que apesar de estarmos usando os números desta denominação, esperamos tirar algumas lições de forma mais global, já que as mesmas contingências podem ser aplicáveis também à realidade de outras igrejas no Brasil, e aponte novas oportunidades e estratégias para quem deseja estudar o assunto.
A pesquisa reuniu uma amostragem de 1.273 igrejas, e o questionário é composto por 36 perguntas de interesse real e 3 perguntas de identificação, que vão desde cadastro, formação das igrejas, rol de membros e freqüência a atividades. Apesar das variáveis que uma pesquisa como esta pode apresentar, é muito significativo trabalhar com os  dados para que uma reflexão mais madura possa ser realizada.

Gráfico 1:




Este gráfico nos ajuda a perceber como estão distribuídos os membros de igrejas em nossa nação. Como era de se esperar, o número de membros de igrejas pentecostais e neo-pentecostais atinge os 70%, com 26% de evangélicos históricos e 5% de outras evangélicas, que talvez seja uma referência a igrejas que são consideradas como seitas por alguns (Adventistas e Congregação Cristã do Brasil), e talvez cite até seitas que são classificadas em muitos meios midiáticos seculares como evangélicas (Mórmons e Testemunhas de Jeová).

Gráfico 2:





Também não apresenta surpresas, uma vez que a tendência de migração sempre foi da zona rural para a cidade. Estes números nos mostram:
·         Estes dados apontam para a necessidade de uma pastoral urbana adequada. Comblin indaga sobre este não falar acerca da missão urbana: “o que está por detrás do silencio teológico sobre a cidade?”. “A Igreja é chamada a assumir a sociedade urbana, não por oportunismo religioso, mas por vocação (...) Seu papel consiste em criar o povo de Deus a partir da cidade”. [1]

·         A necessidade de termos uma “Teologia da Cidade”: Outra questão pastoral pode ser aqui levantada: Como a cidade pode encarnar tanto assim o paganismo e se tornar tão oposta a Deus e ao seu conteúdo revelativo? Por que as cidades chegam a ser como são, fonte de hostilidade, luxúria e oposição a tudo o que é divino? Os profetas estão sempre condenando a impiedade e a idolatria das cidades, mas a igreja urbana hoje muitas vezes tem dificuldade de entender as teias e amarras que unem e dividem a polis.

·         Ray Bakke afirma que nosso problema é que temos vivido na cidade, com sociologia e ferramentas urbanas, mas com teologia rural, e, na sua opinião, precisamos de uma teologia tão grande quanto a nossa cidade, tão urbana quanto nossa sociologia e missiologia.

·         O desafio de se construir uma Teologia da Cidade. Apesar de mais de 90% das igrejas se encontrarem em zona urbana, há uma tendência de seguir uma estrutura rural, e por conseguinte, com dificuldades para interpretar os fenômenos e tendências modernas, aplicando o conteúdo do Evangelho com metodologia e instrumentais adequados. A sugestão de Linthicum é, portanto, mais que apropriada: "Tenha uma teologia tão grande quanto o tamanho da cidade e um ministério tal especifico como a próxima pessoa que você encontrar". [2]

A verdade é que, “hoje, como há seis mil anos, a civilização vai da cidade ao campo, e nunca o inverso”.[3] Apesar da relevância da cidade vemos um profundo descaso da igreja em relação às suas necessidades. Apenas recentemente, iniciou-se uma séria discussão sobre o papel da Igreja no contexto urbano. O resultado disto é que a cidade foi abandonada à sua própria sorte, as igrejas simplesmente não sabem o que fazer com as necessidades urbanas e ainda continuam reproduzindo o mesmo modelo pastoral da zona rural, revelando um profundo despreparo frente aos desafios que a cidade trazia à igreja.

Comblin questiona como a teologia pode permanecer indiferente diante desta realidade humana. “A ausência de uma pastoral firme frente à cidade, pode ser reflexo de ausência de pensamento… Podemos legitimamente nos perguntar se a anarquia atual da pastoral das grandes cidades não está unida a uma ausência da teologia da cidade, que se encontra implícita nas fontes da revelação e, entretanto, não teve a explicação necessária. A igreja da Europa Ocidental é rural em todas as suas estruturas fundamentais”... As paróquias urbanas não passam de paróquias rurais trasladadas à cidade[4]

Este gráfico nos desafia a pensar igrejas com categorias de urbanidade, e isto nem sempre é possível por causa da própria formação de nossos seminários que tende a perpetuar uma linha de pensamento menos dialética que esteve sempre presente nos contextos rurais que marcaram tanto a liturgia e a teologia da igreja durante muitas décadas.

Gráfico 3:

Neste gráfico entramos propriamente na discussão sobre plantação de igrejas.
Os números impressionam e geram certa inquietação. 45% das igrejas não têm congregação nem ponto de pregação, isto é, não possuem nenhum projeto a curto ou médio prazo para uma nova igreja. Outro número que chama a nossa atenção refere-se aos que deixaram de responder ao questionário. Tenho a tendência de achar que quem está fazendo um bom trabalho gosta de declarar que o faz, e não omitir, e isto me leva a perguntar. Será que os 18% que se omitiram na resposta, não o fizeram por não possuirem frentes missionárias? Isto elevaria o número para 63%, embora o próximo gráfico apresente uma pequena diferença, acredito que estatisticamente ela não faz tanta diferença.
Uma pergunta que pode ser levantada aqui é por que igrejas não estão plantando novas igrejas ou estão despreocupadas com esta tarefa? Uma igreja saudável tende a expandir-se, como todos organismos vivos o fazem. Igrejas plantam igrejas! Isto pode não estar acontecendo por causa de uma teologia equivocada ou deficiente, por miopia de visão ou talvez porque já tentaram e tiverem pífios resultados. Justifica-se naturalmente, as pequenas igrejas recém organizadas, que estão ainda dando seus primeiros passos e que não tiveram ainda condições de pensar na expansão de si mesmas, mas espera-se que este processo não seja longo demais. Uma congregação numa cidade estratégica do Nordeste do Brasil levou 76 anos para organizar-se.
Seja como for, é ainda desafiador imaginar uma igreja que não está avançando para criar novas frentes, já que se sabe que o custo de um ponto de pregação é quase inexistente, e os próprios leigos de uma comunidade, somando-se aos esforços de um pastor local serão capazes de realizar a tarefa.

Gráfico 4



Este quadro é sugestivo porque faz uma amostragem por décadas. Como podemos observar, poucas eram as igrejas que não tinham congregações, os números são quase iguais de 1931 a1990, mas nesta década, inexplicavelmente, o número deu um salto, saindo de 27% para 38%, um aumento de 11%. Os dados tornam-se ainda mais significativos entre 2000-2008, quando subiu para 53%, num aumento de 15%. Se considerarmos as últimas duas décadas, 26% de igrejas perderam a capacidade de olhar para outros campos e tentar estabelecer novas comunidades. Presbitérios e sínodos deveriam considerar com muita seriedade estes números e discutir os motivos detrás da inércia, tentando reverter estes números para patamares suportáveis, que seriam em torno de 25%.
Existem atualmente muitas igrejas sem uma proposta de evangelização ou abertura de novos campos. Se considerarmos que “Plantar igrejas é o método mais eficaz de evangelização”, como afirma Peter Wagner, nossa dimensão evangelística precisa ser reavaliada imediatamente.

Gráfico 5:



Este gráfico fala de igrejas que já puderam em sua história, ver uma de suas congregações se tornando independente em termos de liderança e finanças. Igrejas filhas são aquelas que já foram organizadas e tem vida própria. Considerando que 76% não possuem nenhuma filha, temos um problema sério de úteros estéreis, já que o número de novas igrejas avançou significativamente no contexto brasileiro, isto nos leva a dizer que apenas 24% das igrejas plantaram todas as demais. Indica ainda que se trata de uma questão de visão e teologia de missões. Algumas igrejas estão sendo biblicamente orientadas, enquanto outras se encontram descuidadas sobre este assunto e precisam envidar esforços para quebrar a lei da inércia que as tem imobilizado de forma tão negativa. Muitas igrejas ainda não tiveram o privilégio de ver outras igrejas se organizando por seu esforço missionário.

Gráfico 6:

  
Este quadro mostra de onde surgem os novos membros das igrejas.

28 % nascidos na IPB local – isto é, boa parte do crescimento é vegetativo. Pode parecer negativo, mas considero tais números importantes, porque lamentavelmente muitas igrejas não conseguem sequer manter o seu número de membros, e se conseguissem manter os filhos, o número de membros já seria bem superior ao que existe. Além do mais, uma das grandes bençãos que temos é perceber que os filhos estão permanecendo na igreja, isto mostra que a fé dos pais de alguma forma está sendo comunicado à próxima geração. Quando a fé deixa de ser comunicada de forma eficiente, os filhos perdem o interesse pelo evangelho e pela vida cristã e se afastam do caminho do Senhor. As duas maiores fontes de apostasia são: (a)- Liderança inescrupulosa e infiel; (b)- Pais cínicos e indiferentes. Filhos se apostatam da fé quando estes elementos estão presentes.

14% Outra religião – A mudança de membros de uma comunidade para outra não é muito rara, numa época em que existe muito pouca “fidelização” doutrinária e menos ainda, denominacional. Muda-se por razões teológicas, litúrgicas, pessoais, mas muda-se também por razões geográficas e por adaptabilidade. Na perspectiva do reino estas mudanças nada dizem, mas, na eclesiologia são eloqüentes. Na linguagem do Rev. Antonio Elias, “Ovelha vai para onde tem pastor melhor”

31% Outra religião – Aqui devemos concentrar todo nosso esforço missionário, e é para onde nossos olhos devem estar atentos. Afinal de contas, a grande missão da igreja é pregar com fidelidade a palavra para que aqueles que estão perdidos espiritualmente. “Livra os que estão sendo levados para a morte e salva os que cambaleiam indo para serem mortos. Se disseres: Não o soubemos, não o perceberá aquele que pesa os corações? Não o saberá aquele que atenta para a tua alma? E não pagará ele ao homem segundos as suas obras?” (Pv 24.11-12).
A igreja deve buscar alternativas bíblicas criativas para pregar o evangelho. O nosso alvo deve ser o de alcançar os não alcançados com a mensagem de libertação que o evangelho traz. A única instituição que não existe com uma finalidade de meramente satisfazer seus membros é a igreja. Todas entidades filantrópicas bastam a si mesmas, mas a igreja que não faz missão está perdendo a essência de sua identidade. Nossa missão é fazer missão.
Os outros números apenas refletem a realidade natural de pessoas que mudam de igrejas, de presbitérios, de regiões, etc., são muitos os fatores que provocam estas mudanças, entre eles a transferência de trabalho, mudança de jovens para estudar em outros lugares, casamentos e assim por diante.

Conclusão:
Números têm o poder de nos orientar, chocar e desafiar. Na medida que estudamos estes gráficos, surgem muitas questões e algumas alternativas:

  1. Por que Plantação de Igrejas tem sido tão negligenciada nos últimos 20 anos como apontam as estatísticas? Mudou o conteúdo da missão? Existem problemas nos fundamentos teológicos dos seminários? O que levou as igrejas a perderem seu vigor e agressividade evangelísticas?

  1. Que ênfases precisam ser dadas nos próximos anos para que esta curva de nível retorne a um patamar aceitável, ou pelo menos a números que durante tantos anos marcaram esta igreja?

  1. Estes dados são relativos apenas a Igreja presbiteriana ou se aplicam igualmente a outras igrejas históricas?

  1. Como Sínodos e autarquias das igrejas poderiam se mobilizar em educação teológica, pregação da palavra, aprofundamento bíblico para que a igreja desperte para o grande desafio de plantar novas igrejas?

Rev Samuel Vieira
Professor de Plantação de Igrejas
Seminário Presbiteriano Brasil Central- Goiânia - GO.





[1] Comblin, José – Teologia da Cidade. São Paulo, Paulinas, 1991, pg 19
[2] Linthicum, Robert – A transformação da cidade, pg. 137
[3] . Comblin, Jose – Teologia da Cidade, S. Paulo, Ed. Paulinas, 1991, pg. 11
[4]   Comblin, Jose –1991, pg. 14