quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O Mal




Uma Introdução à questão do Mal

Scott Peck, psiquiatra cristão, faz uma pergunta intrigante que incomoda o mundo científico: "O mal existe?" Esta pergunta se reveste de um significado ainda maior ao percebermos que esta questão não foi elaborada por um teólogo, mas procede de um homem da ciência, que lida com a alma humana. Peck é um admirável escritor americano, com livros que já venderam mais de 7 milhões de exemplares, como “A Trilha menos percorrida”, mas esta questão é formulada num livro menos conhecido com o intrigante título de “O Povo da mentira. A esperança para a cura do mal”.
A questão do mal, é para ele, antes de tudo, esta questão é intelectual: "Existe esta coisa chamada de mal espírito, o mal de forma pessoal?"[1] Ele afirma que quando começou a fazer esta pergunta, de forma orgulhosa e aberta, não admitia que sua resposta pudesse ser positiva, mas depois de acompanhar dois pacientes no seu consultório, ele começou a considerar seriamente tal possibilidade. Após ler muito material sobre assunto, a maioria simplista, ingênua ou sensacional, encontrou também alguns poucos autores que pareciam genuínos e que deveriam ser levados em consideração. Andando com um grupo de pessoas cristãs que tratavam de pessoas com tais sintomas, acompanhou dois casos de possessão satânica, e concluiu sua análise com a seguinte afirmação: "Eu agora sabia que Satanás é real. Eu o havia encontrado"[2].
Martin Buber, brilhante pensador judeu escreveu um livro só para tratar da questão do mal, “Good and evil” no qual aborda as complexas dinâmicas de processos destrutivos. Já na introdução faz intrigantes perguntas: “Por que o mal é tão poderoso?” e ainda “Qual é a origem do mal?”. Na abordagem que faz, elabora suas conceituações a partir da manifestação do mal no Antigo Testamento, caminhando na mitologia do mundo antigo, e discutindo questão da árvore do conhecimento no Éden, a figura de Caim e sua escolha, as imaginações e impulsos que brotavam nas relações humanas, os elementos primais da alma, para concluir que “as imagens de bem e mal que interpreto aqui, correspondem, como temos visto, a certas apreensões antropológicas que ocorreram na caminhada histórica do ser humano”[3]
Recentemente foi lançado no Brasil o livro “O Efeito Lúcifer”[4], de Philip Zimbardo, que nos anos 80 dedicou boa parte de sua pesquisa como psicólogo, na Universidade Stanford, para entender os motivos que levam as pessoas a praticar o mal. Para entender melhor as complexas relações destas questões, fez um experimento isolando e dividindo um grupo de estudantes, pelo período de 30 dias, para viver num ambiente imaginário de uma prisão, dividindo-os entre guardas e prisioneiros. Seu experimento teve que ser interrompido, porque ele constatou os maus-tratos de uns e a submissão de outros que extrapolaram os limites, dentro deste ambiente. Vendo a situação saindo do controle, ele pôs um fim na pesquisa.
Para Zimbardo, o mal está no caráter e na personalidade, tendo suas raízes na própria natureza humana, e que as pessoas ao serem submetidas a forte pressão  dificilmente é capaz de se manter no espectro do bem. “O inesperado por despertar no ser humano reações completamente contrárias a tudo aquilo em que acredita, fazendo emergir uma face bastante cruel”[5]. No caso do holocausto judeu na II Guerra Mundial, ele afirma que o ingrediente essencial dessa engrenagem foi a desumanização das vítimas, e quando isto acontece, o mal se trivializa. Para ele, as penitenciárias jamais serão capazes de reabilitar quem já praticou atos de crueldade, contituindo-se num grande fracasso multibilionário, e que a melhor vacina contra a prática do mal é o exercício permanente da autocrítica.
Numa palestra proferida na Harvard University em 2001, o Dr Billy Graham, falou sobre os grandes mistérios que ainda perduram na humanidade apesar de sua conquista tecnológica: são os problemas espirituais que só podem ser resolvidos com respostas morais e espirituais, e destacou um deles, O problema do Mal. Ele cita particularmente o século XX. Como explicar que apesar do grande avanço da ciência e da tecnologia, duas grandes guerras mundiais tenham eclodido num período moderno no curto espaço de 30 anos? Como entender o genocídio praticado em guerras tribais e imperialistas ainda em nossos dias? Que resposta podemos dar para um mundo tão contraditório e repleto de tragédias com terremotos e tsunamis? Como explicar o mal que tem em seu poder a capacidade de mudar o rumo da história e dos sonhos da humanidade e de nossas vidas particulares com um crime hediondo ou a morte trágica de um ente querido ainda na sua juventude, vitima de uma doença congênita ou adquirida?
A cosmologia da antiguidade era permeada por uma concepção da presença do mal, e o diabo era visto como alguém concreto e pessoal. O mundo antigo cria em demônios e coisas malignas. O grande historiador alemão, Adolf Von Harnack, falando da compreensão do primeiro século acerca deste assunto, afirma que “todo o mundo de então, e a atmosfera em que viviam era cheia de demônios; não apenas ídolos, mas cada fase e forma de vida era regida por eles. Eles se assentavam em tronos, se moviam entre as lamparinas. A terra era literalmente um inferno”. [6]
Mas será que esta concepção também se aplica ao mundo secularizado de hoje?
O mistério do Mal
"Deus, soberanamente bom, não permitiria de modo algum a existência de qualquer mal em suas obras, se não fosse poderoso e bom a tal ponto de poder fazer o bem a partir do próprio mal".
Santo Agostinho
A questão do mal é um grande desafio filosófico para pensadores cristãos ou ateus. Os ateus acham que a existência do mal nega a existência de Deus. Para o cristão o problema do mal é posto de maneira complexa. Muitos fazem perguntas para tentar embaraçar os cristãos. Por que existe o mal se há um Deus? Por que Deus não faz nada para acabar com o mal? Se Deus é bom, porque permite a existência do mal?
Homens de Deus reconhecem o problema do mal:
èPor que se concede luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus cercou de todos os lados?" (Jó 3:23)
Davi è "Não têm conta os males que me cercam" (Salmo 40:12).
Paulo è "Toda a criação a um só tempo geme e suporta angústias até agora" (Romanos 8:22).
Para Lewis, “existem dois erros iguais e opostos quando se discute a questão dos demônios. Um é a descrença na sua existência. O outro é crer e sentir um interesse excessivo e patológico sobre eles. Os demônios de deleitam em ambos os erros, tanto na visão materialista quanto na mágica”[7]

O Surgimento do Mal
Apesar do mal ser uma realidade em nosso mundo, as Escrituras deixam claro que Deus não criou o mundo no atual estado em que se encontra. O mal veio como resultante da queda do homem. A Bíblia diz que Deus é amor e Ele criou a raça humana para que O amasse. Ao permitir que o homem e a mulher pudessem escolher entre o bem e o mal, o mal se tornou real. Ao desobedecer a Deus, Adão e Eva não escolheram algo que Deus criou, mas por sua livre escolha, eles trouxeram o mal para nosso mundo. Foi o egoísmo do homem que trouxe o mal para o mundo. Mas isto também revela que o Mal já existia como possibilidade no mundo.A Queda não inventou o mal, mas o evidenciou. Após a queda, o mundo foi afetado no seu eixo central, e as coisas não estão como deveriam estar. O Pecado trouxe problemas nos relacionamentos: Do homem com Deus (separação, fuga, medo), consigo mesmo (desequilíbrio emocional, culpa, angústia), com o próximo (acusação e manipulação)  e a natureza (Maldição - até a natureza e os animais às vezes são inimigos do homem). Surgem também as guerras e doenças. O perfeição da criação foi desfeita pelo pecado. Embora a Bíblia não nos informe porque Deus permitiu o mal, ela tão somente nos mostra como e porque o mal entrou no mundo. Deus é infinitamente sábio e os seus propósitos estão além da nossa compreensão.
A Bíblia nos ensina que o universo foi criado de forma perfeita e harmoniosa, e que Deus considerou que tudo que havia feito era muito bom, mas o pecado entrou no mundo por causa do orgulho, rebeldia e das escolhas morais feitas pelo homem. A dor e o mal vieram como conseqüência, não faziam parte do plano original de Deus. “Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astúcias” (Ec 7.29).
O mal, a dor e a morte não faziam parte do propósito original de Deus, mas são resultantes de conflitos morais e decisões erradas do ser humano. Se formos honestos, veremos que muitos dos males que sofremos resultam de nossa atitude tola nas escolhas que fazemos e nas prioridades erradas que damos à nossa vida.
Jesus, contudo, não considerou o sofrimento de uma forma normal. Muitas vezes se sentiu indignado e entristecido diante do desprezo humano em relação à vida. Por duas vezes tentou tirar dos discípulos uma cosmovisão equivocada e cultural que associava a dor a um pecado específico (Lc 13.1-5; Jo 9.1-4). Ao ministrar sobre este assunto, deixou claro que, o mal, nem sempre, é resultado de escolhas morais. Ele considerou o mal como algo anormal, e por isto não aceitou resignadamente a brutalidade e violência da vida. Chorou diante da morte, reagiu diante de atitudes de lideranças que impunham sofrimento aos seus liderados, curou leprosos, cegos e coxos, conspirando contra a angústia presente na vida humana.
A dor, o mal e a morte ainda continuam sendo filosoficamente desafiadores, às vezes ficamos perplexos diante de notícias estarrecedoras.
Não podemos justificar o problema do mal afirmando que foi Deus quem decretou o pecado. Se Deus tivesse decretado todas as coisas, Ele seria o autor do pecado e do mal e isto não está de acordo com o que a Bíblia diz.

A Banalização do Mal

Um dos dilemas mais complexos que eventualmente se insere numa cultura é a perda da referência ética que torna o mal trivial. Alguns teóricos acreditam que isto se dá na medida em que o mal vai se tornando institucionalizado, cultural e corporativo, desembocando num processo endêmico na sociedade.
A filósofa Hannah Arendt levantou esta problemática ao elaborar uma questão fundamental no campo do conhecimento humano: “Como é que de repente todo mundo faz aquilo que considera errado?”. Ela fez esta pergunta ao estudar o nazismo e tentar entender como uma população inteira aderiu à loucura de Hitler.
Não apenas o povo simples aderiu ao sonho e a utopia do III Reich, mas pessoas de bem, intelectuais e religiosos. Existe um episódio que demonstra isto de forma clara: buscando encontrar apoio das igrejas e de sua liderança, Hitler reuniu os clérigos mais importantes do país numa convenção para 3000 sacerdotes. Em seu discurso teria afirmado o seguinte: “vocês cuidem dos céus, e eu cuido da terra”, recebendo apoio de uma grande maioria. Apenas uma parte, encabeçada por Dietrich Bonhoeffer e Henry Niemüller, fez oposição ao projeto de Hitler e recusou a oferta do ditador fundando o movimento conhecido como “Igreja Confessante”, cujo objetivo era despojar Hitler do poder. Bonhoeffer foi executado na cadeia, uma semana antes da queda do Nazismo, somando-se ao imenso número de mártires cristãos no Século XX.
Para Arendt, essa adesão foi provocada pelo que chamou de “banalização do mal”.
Naturalmente, conceitos de bem e de mal mudam de acordo com culturas, épocas, gerações, mas quando o mal se torna banal em qualquer momento da história, ele impede que as pessoas julguem eticamente os fatos e dificulta o discernimento entre o lícito e o ilícito. Neste caso ocorre uma confusão de valores. O mal torna-se bem, e o bem mal, as trevas transformam-se em luz e a luz em trevas. A falta de parâmetros é uma das características deste fenômeno de massa.
Desta forma, o mal deixa de ser circunstancial e individual e torna-se um fenômeno sociológico. Todos passam a aceitá-lo, se não de forma explícita, de forma silenciosa e sem questionamentos.
Creio que a corrupção e a violência do Brasil tendem a caminhar nesta direção. Pregoeiros da justiça moral, gente que levanta a bandeira da conduta ética de repente é pega envolvida em escândalos nada triviais. O mal, banal, passa a ter raízes profundas. Aqueles que combatem posturas de políticos desonestos reproduzem o modelo, sendo agentes passivos ou ativos na primeira oportunidade que tiverem de ganhos ilícitos.
O oportunismo político tem cada vez mais aceitação resignada da população, não só pelo político corrompido, mas pelo empresário, corruptor e pelo funcionário coadjuvante, que admitem as regras do jogo do suborno como se elas fossem o único meio de sobrevivência. Facilmente nos deixamos corromper pelo oportunismo seduzidos pelo poder e pelo dinheiro. O mal se banaliza e se torna institucionalizado.
É bom lembrar, porém, que o mal banalizado enfraquece os valores morais de uma sociedade e relativiza a ética que constrói os pilares sociais. Apesar do mal ter se tornado tão comum, devemos nos lembrar que o mal continua sendo mal na sua essência, derivativo de lúcifer, e que na sua natureza conspira contra o bem e aquilo que é divino.

As características do Mal

Antes de estudarmos o mal e seus efeitos, precisamos reconhecer algumas de suas características:

A.    Mal, mais que um conceito, é uma realidade – A Bíblia não se refere ao mal abstratamente, mas como algo concreto, tangível, perceptível. Jesus, que também curou muitas pessoas lunáticas, exorcizou muitos "endemoninhados". Se Jesus não soubesse a diferença entre um possesso e uma pessoa que tem um problema mental, a Bíblia não diferenciaria entre um e outro. Em Mt 4.24, nos é dito: "trouxeram-lhe, então, todos os doentes, acometidos de várias enfermidades e tormentos: endemoninhados, lunáticos e paralíticos. E ele os curou". A referência a lunáticos é interessante, porque conquanto a Bíblia não tivesse como classificar as doenças mentais como hoje o fazemos, demonstra que Jesus sabia diferenciar entre uma pessoa doente da alma, do físico e aqueles que tinham problemas espirituais, ainda que a terminologia psiquiátrica daqueles dias não fosse tão rebuscada quanto a do século XXI. Ela usa o termo lunático, para referir-se a pessoas que tinham problemas de esquizofrenia, psicoses, transtornos bipolares, etc, porque esta era a forma de se classificar a doença mental naqueles dias.

B.     Mal, mais que uma idéia é uma pessoa, e como tal possui identidade, personalidade, vontade e projetos. Não é algo vago. O mal é descrito como um ser pessoal chamado de diabo, satanás, lúcifer, e possui toda uma nomenclatura que revela quem ele é. Por exemplo: a tradução da palavra satanás, literalmente é adversário. A palavra diabo (grego diabolos), literalmente significa “aquele que divide. Lúcifer, etmologicamente é “anjo de luz”, pela sua enorme habilidade de camuflar, de nos fazer pensar que o mal é bem, e o bem, mal; que as sombras são luz, e a luz, sombras, que a verdade é mentira e a mentira pode se transformar em verdade, de tornar o que é errado certo e questionando o certo, dar-lhe uma idéia de que é errado.

A natureza do Mal

O mal é descrito como "espírito imundo" (Mc 5.2). Isto define o caráter do mal e mostra o que ele faz ao dominar e controlar os seres humanos ou uma situação histórica. Ele deforma o caráter da pessoa, torna suas atitudes morais em atitudes imundas. Uma pessoa possessa por uma entidade espiritual se animaliza e começa a reproduzir suas atitudes grotescas, por mais sofisticada que seja, passando a se chafurdar na imundície moral. Satanás é um ser de penumbras e sombras e as pessoas que vivem debaixo de sua influência tornam-se malignas nas suas atitudes.
Átila Brandão, hoje um pregador do Evangelho, ex-assessor de Antonio Carlos Magalhães na Bahia, conta que no processo para se tornar pai de santo, é necessário que a pessoa passe por vários rituais como beber sangue de animais sacrificados, manter relações homossexuais e comer carne de cadáveres em rituais de magia negra. Tudo isto demonstra o nível de degradação moral e espiritual que satanás gera em seus seguidores: Ele é imundo, e torna eticamente imundo aqueles que o seguem, assim como Deus é santo, e todos aqueles que se deixam dominar pelo Espírito Santo, começam a reproduzir esta Santidade que nos é comunicada pelo Espírito, já que santificação é também uma obra do Espírito de Deus em nós. Em Mc 5.3 vemos que a degradação moral havia atingido profundamente a vida daquele homem, que "vivia nos sepulcros, e nem mesmo com cadeias alguém podia prendê-lo" (vs.3) e mais adiante: "Andava sempre, de noite e de dia, clamando por entre os sepulcros e pelos montes, ferindo-se com pedras" (vs 5). O espírito imundo torna imundo caráter daqueles que por ele são dominados, seja no campo das idéias, seja no domínio corporal.

As formas de ação do mal

Satanás usa muitas estratégias para que nos aliemos a ele. Satanás está vivo e ativo no planeta terra, e ele deseja nos desviar do caminho de Deus. Suas estratégias são variadas e complexas, mas não ignoramos os seus desígnios (2 Co 2.11), porque a Palavra de Deus nos fala de sua forma de ação. Vejamos algumas delas:

A.    Satanás age por sugestão - Ele tenta nos convencer de que o que ele diz faz sentido. Ele atrai com propostas interessantes, atraentes, a isto chamamos de tentação. Tome, por exemplo, o episódio de Adão e Eva no Éden. Satanás sugere que Deus não estava bem intencionado com eles, questiona o conteúdo e a validade da mensagem que Deus dera a Eva, a faz pensar que no universo não há juízo moral, que eles poderiam pecar e isto não traria nenhuma conseqüência. Desta forma consegue levar Adão e Eva a romper com Deus. Neste caso, a estratégia foi a persuasão, a sugestão. Muitas vezes também pensamos que os princípios de Deus não valem a pena, que o bem nem sempre vence, que se continuarmos sendo justos seremos massacrados pelo mal, que em determinadas situações precisamos usar as armas do mal para derrotar o mal. Aqui, satanás age usando os meios filosóficos, sistemas epistemológicas para ironizar os absolutos de Deus.

B.     Opressão Trata-se de uma ação psicológica. O diabo faz acusações, gera culpa, angústia, medos, ansiedades e ameaças nos nossos corações, inclusive de pessoas cristãs. Parece que foi isto que aconteceu com Paulo quando estavam fazendo missões na Ásia, já que satanás havia gerado uma circunstância tão aflitiva para aqueles obreiros, acima das suas próprias forcas, que eles chegaram a se desesperar da própria vida (2 Co 1.9). 

Muitos cristãos já passaram por muitas situações de opressão, tribulação, mentiras, injustas acusações por governos dominados por forças demoníacas. Em nossos dias, assim como nos tempos apostólicos, somos assolados pelas dúvidas teológicas (como no caso de João Batista em Mt 11), pensamentos estranhos e doloridos tomam conta de nosso coração, e muitas vezes sabemos que é o diabo querendo roubar nossa paz, outras vezes não conseguimos identificar a obra maligna, e tratamos como crise existencial, psicológica ou mental. Seja numa situação ou noutra, somos oprimidos, atribulados e abatidos (2 Co 4.7-10).

C.     Outra forma menos discutida é demonização que tem a ver com a cultura específica de um povo. Por exemplo: os alemães, desde o massacre ocorrido na Segunda Guerra Mundial, tem sido considerado o povo mais triste do Planeta. Outro exemplo clássico no Brasil é a massificação da corrupção: Corrupção é um vírus demoníaco que penetrou nossa cultura e isto tem gerado prejuízos imensos para a vida das pessoas, para o Reino de Deus, porque desvios financeiros afetam a vida de pessoas pobres pois esse dinheiro poderia ser usado para a promoção do bem estar social. O diabo tem roubado a dignidade de milhões de pessoas neste país, por causa da “cafajestice” de políticos inescrupulosos que já tem se tornado endêmica, sistêmica e pandêmica em todos os escalões. Isto é um processo de demonização de uma cultura.
Linthicum afirma: “O protestantismo evangélico tende a centrar sua teologia na obra de Deus para salvação do ser humano. Particularmente em suas formas populares, menos refletidas, o evangelho é historicamente proclamado em termos de salvação individual, o chamamento do pecador a Cristo. Por causa desta ênfase na salvação individual, os evangélicos tendem a abordar o mal como individual (...) O perigo de tal abordagem é que aqueles que acentuam exclusivamente as dimensões individuais da salvação não podem entender a abrangência total do mal e nem apreciar o trabalho total da salvação em Cristo”.[8]
Mais adiante Linthicum afirma: “Os sistemas mais importantes de uma cidade são as instituições econômica, política e religiosa. Estes sistemas interagem e cooperam nos com os outros constantemente, resultando daí em alianças numa trindade perversa (...) Os sistemas podem ser igualmente demoníacos, apoiando o privilégio econômico de poucos enquanto exploram os pobres e oprimidos, usando a ordem política para legitimar tal exploração (...) Há, entretanto, uma força muito mais poderosa, que pressiona os sistemas econômicos, político e religioso em busca de seu próprio interesse e do mal. Este é o poder penetrante e escravizador ao qual a Bíblia chama de “principados e potestades”.[9]
A cultura, neste caso, torna-se identificada com processos malignos. Existe muita coisa estranha em nosso país e em outros países que, infelizmente não conseguimos diagnosticar corretamente, mas que são resultado de uma dominação quase que absoluta das trevas e só poderão ser vencidos com a presença da igreja de Cristo e pela iluminação das mentes pelo Espírito Santo.

D.    Por último, age também por possessão. Em Mc 5, texto que lemos em parte, nos é descrito que "veio dos sepulcros, ao seu encontro, um homem possesso" (vs.2). Neste caso, a personalidade de uma pessoa é con-fundida (este hífen é intencional) com a de um espírito maligno, e ela é totalmente dominada. Por isto se diz nos terreiros de umbanda e candomblé que a pessoa é mula de um demônio. A pessoa fica dominada por uma força maior do que ela e não consegue reagir, apenas o poder de Deus pode trazer libertação à sua alma. O texto ainda afirma: "tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram quebradas por ele, e os grilhões, despedaçados. E ninguém podia subjugá-lo" (vs.4). Já que estava subjugado por outra força, a do espírito maligno. Existem muitas pessoas presas pelo diabo, sem esperança, pensando que deverão ficar presas pelo resto de suas vidas em processos de sofrimento, mas a Bíblia afirma "Para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo" (1 Jo 3.8).

O Mal gera profunda angústia para a psiquê humana. Dê uma lida mais detalhada em Marcos 5 para perceber o quadro angustiante da personalidade destrutiva daquela pessoa: "Andava sempre, de noite e de dia, clamando por entre os sepulcros e pelos montes, ferindo-se com pedras" (vs 5). Este homem vivia num inferno interior. Angustiado, acuado e amedrontado. Existe uma força que o destrói e ele não tem condições de reagir.
Possessão descreve bem o fato de que satanás age por usurpação (Cl 1.13), neste caso, o mal tira o homem do seu propósito original que era glorificar a Deus e gozá-lo para sempre, e o faz viver aquém daquilo que Deus planejou para sua vida. Tornando-se pobre, infeliz e impotente diante da oposição que o diabo lhe faz.

O Poder do Mal

Para tentar compreender melhor este assunto, estaremos analisando o texto de Mc 5.1-20, que nos fala da libertação do endeminhado geraseno (ou gadareno).
Aqui observamos que as pessoas tentaram dominar o mal acorrentando o possesso. O texto nos afirma que tudo isto era inútil, porque não se vence o mal criando barreiras, cadeias e correntes humanas. A forma de batalha para se combater o diabo é espiritual. Por isto Jesus certa vez afirmou que certas castas não são vencidas senão pela oração e Jejum (Mc 9.8). O mal não é subjugado por sistemas. As pessoas daquela região tentaram controlar e dominar o mal, mas o texto afirma "E ninguém podia subjugá-lo" (Mc 5.4). O diabo é contundente, um ser sem misericórdia, acusador, e espiritualmente o forte. Ninguém deve tentar vencer o mal por forças humanas, ou por força de vontade, ou por controle da mente, mas o mal é vencido pelo sangue de Cristo, pelo poder do Espírito, pela oração. Por isto, a pessoa mais simples da igreja, com a oração mais débil, mas de joelho contrito e quebrantado tem o poder de exorcizar o mal e trazer a presença de Cristo para o seu lar, para sua vida, para um determinado ambiente de trabalho, porque "maior é aquele que está em vós, do que aquele que está no mundo" (1 Jo 4.4).

Três opções
Johnson[10] afirma que podemos ter três opções diante da idéia do mal:
A primeira é afirmar que tais eventos na verdade não ocorrem. Podemos interpretar os eventos relacionamentos ao mal no Novo Testamento em termos de como as pessoas daqueles dias viam a ação maligna, e desde que Jesus veio livrar as pessoas do medo, os escritores cristãos relataram tais estórias esperando trazer algum tipo de conforto às almas atribuladas.
A segunda opção é afirmar que tais histórias de atividades demoníacas são uma forma de descrever nosso mundo quebrado. Os fenômenos atribuídos aos demônios no primeiro século poderiam ser explicados por causas naturais, estudando os fatores químicos, neurológicos e psicológicos a eles relacionados. Jesus, tentando se relacionar com as pessoas nas condições e culturas em que viviam, a si mesmo se acomodou nesta leitura da realidade. Se as pessoas acreditavam que seus traumas e desordens eram causados por espíritos demoníacos, então Jesus decidiu trabalhar neste nível de crença, ao invés de tentar modificar a sua forma de pensar e sua cosmovisão. Jesus simplesmente entrou nesta visão de mundo.
A terceira opção é assumir que os relatos do Novo Testamento de fato aconteceram. Esta visão afirma que apesar de não podermos descrever com precisão cientifica os fatos acontecidos, realmente estes espíritos imundos e entidades existem. Assim como Deus faz sua obra por meio de seus enviados, que são os anjos; Satanás se utiliza de seres espirituais malignos para realizar sua obra. Neste caso, os espíritos malignos realmente existem e podem de certa forma controlar pessoas e sistemas do mundo, causando desordem e destruição, assim como afirma João: “para isto se manifestou o Filho do Homem, para destruir as obras do diabo” (1 Jo 3.8).
Se a terceira opção é a correta, e é exatamente nisto que cremos, surgem novas indagações:
                “Os demônios ainda operam na era atual possuindo o corpo de pessoas?”
                “Como discernir manifestações de histeria, psicoses e esquizofrenia de atuações malignas?”
                “Como se dá este processo de demonização? Que vínculos comprometem a realidade destas pessoas a tal ponto?”
C. S. Lewis afirma que o diabo sempre envia erros ao mundo em pares – pares de opostos. E sempre nos encoraja a gastar um bom tempo pensando em qual é o pior. Acerca dos demônios, os opostos são: de um lado nos tornarmos tão obcecados pelo diabo que passamos a enxergá-lo em cada arbusto, ou nas coisas mais comezinhas da vida. Já vi pessoas expulsando o demônio de seu carro, porque o motor havia fundido; de outro lado, ignorar sua presença e acreditar que o mal é apenas uma projeção psicológica.
Johnson ainda afirma que o cristianismo enxerga o mundo em quatro dimensões: “Quando tentamos entender o que está acontecendo em nossas vidas, em nossas cidades ou no mundo, temos que levar em conta a natureza humana, o universo físico, o Deus vivo, e as coisas não vistas, criadas, “seres espirituais” e poderes – tudo em quatro dimensões”[11].

As Estratégias do Mal

O leque de atuação do diabo é bem amplo. Ele usa estratégias diferentes para distintas situações. Por isto é que a Palavra de Deus se refere ao “príncipe do reino da Pérsia”(Dn 10.13) e “O Príncipe da Grécia” (Dn 10.20), mencionando formas diferentes da atuação de entidades malignas para determinadas condições políticas, culturais e históricas. Na forma popular de um amigo meu de dizer quando morávamos no Rio de Janeiro: “O demônio da Zona Sul não é o mesmo da Zona Norte”.

1.       Quanto ao possesso – Em Mc 5, Satanás tem uma estratégia em relação a personalidade deste homem. Seu alvo era enlouquecê-lo, desequilibrar suas emoções e o seu corpo, impedir que ele pudesse viver de forma plena e abençoada. Seu corpo sofre ações violentas do mal. Dentro dele não existe uma personalidade integrada, mas fragmentada, não existe um indivíduo, uma unicidade na sua alma, mas uma legião. Demônios disputavam o espaço de sua consciência com acusações, culpas, angústia e peso.

2.       Quanto à cultura – Existe aqui outro processo que precisa ser considerado: Satanás se identificou e se amalgamou com tal cultura, fazia parte de seu ambiente. As pessoas já não mais se chocavam com aquele quadro, acostumaram-se a ele. Assim como as pessoas de Nínive, jovens e velhos (Gn 19.4), acostumaram-se com abusos sexuais; assim como o Brasil se acostumou com a corrupção e não mais se assusta com ela. Assim como determinadas cidades vivem debaixo do mal e aprendem a se relacionar com ele, como no caso de Éfeso, que tinha uma profetisa endemoniada que dava lucros aos seus senhores, uma cidade cujo povo praticava prostituição religiosa com as sacerdotisas em verdadeiras orgias dentro do templo e achavam isto normal. A cultura de Gadara já incorporara, no seu inconsciente coletivo, a relação patológica com aquela pessoa destrutiva e imunda e aquilo não mais os incomodava. Acostumara-se com o mal. Um dos alvos estratégicos de satanás é enfraquecer valores, arrebentar com uma cultura local com ensinos de demônios e torná-los aceitáveis.

O que é ainda mais enfático e assustador neste texto, é que por causa da convivência com o mal, aquele povo prefere o diabo com eles que a presença de Jesus. Porque a presença de Jesus desestabiliza o status quo, altera o modus vivendi da comunidade. Por isto, eles resolvem pedir a Jesus que "se retirasse da terra deles" (Mc 5.17). Existem pessoas que não querem se livrar do diabo, por causa das perdas que terão, inclusive financeira, social, status,etc. Sabem que, se continuarem debaixo do domínio do diabo serão destruídos, mas não conseguem dar um salto de fé e rejeitar o mal com suas implicações, por causa do preço que têm a pagar. Os moradores daquele lugar rejeitam a Cristo e ficam com o demônio, porque Jesus mexe nos chiqueiro deles. Existem muitos que não querem que Deus mexa no chiqueiro de suas vidas, desestabilize a podridão com a qual estão habituados a viver e caminham para a morte por não romper com este estado de coisa.

3.       Quanto a Deus – Satanás também precisa usar de determinada estratégia quanto a Deus. E o que ele faz aqui neste texto? Como ele se aproxima de Jesus, o Filho do Deus vivo? "Quando, de longe, viu Jesus, correu e o adorou" (Mc 5.6). Não é impressionante que satanás corra para "adorar" a Jesus? Na verdade o texto afirma que isto se deu por causa da confrontação que Jesus faz a este ato maligno: "Espírito imundo, sai desse homem!" (Mc 5.8). Satanás não tem outra opção senão se curvar diante de Deus porque seres espirituais se percebem. Neste nosso mundo as realidades espirituais são intercomunicáveis, elas se revelam de forma direta. Em At 19, o espírito maligno afirma diante de alguns judeus exorcitas: "Conheço a Jesus e sei quem é Paulo; mas vós, quem sois?" (At 19.15). Quando o diabo afirma conheço a Jesus, ele usa o termo ginosko, conheço por interação, porque nas realidades espirituais nossas historias se cruzam. Mas quando fala sei quem é Paulo, ele afirma que tem conhecimento do procedimento, atos e comportamentos de Paulo.

Certa feita lidava com uma pessoa possessa, e no meio do trabalho de exorcismo o demônio diz: "Rev Samuel, eu te conheço". Confesso que me assustei um pouco com aquela afirmação, mas depois afirmei: É óbvio que ele me conhece... sabe das minhas tentações e fraquezas, meus limites e minha família. Se tivermos medo disto não vamos conseguir viver...
O texto nos afirma que Satanás se curva diante de Deus. Porque é assim que deve ser. O diabo nunca poderá ter outra atitude diante da autoridade do Pai. Não existe maniqueísmo na Bíblia: duas forças iguais com igual poder se digladiando. Satanás é sujeito ao Pai, e Deus deu também poder e autoridade a nós seus filhos para confrontarmos as obras das trevas: "Eis aí vos dei autoridade para pisardes serpentes e escorpiões, e sobre todo o poder do inimigo, e nada, absolutamente, vos causará dano" (Lc 10.19). Gosto deste texto, especialmente da afirmação absolutamente.

Os temores do Mal

O que ameaça o diabo? O que ele teme? Mais uma vez usaremos o texto de Marcos 5, que nos  ensina algumas preciosas lições sobre este assunto:

1.       O diabo treme diante da presença de Deus – Em Tiago 2.19 lemos: "crês tu que Deus é um só? Fazes bem. Até o diabo crê e estremece". A glória de Deus é repulsiva ao diabo, por isto é que a adoração, feita de coração, invocação e qualquer culto a Deus quando oferecido de coração, é uma ameaça ao reino das trevas. Deus é luz, e a luz lança fora as trevas, se opõe às trevas. Satanás abomina a luz. Neste texto, satanás grita em alta voz: "que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo? Conjuro-te por Deus que não me atormentes!" (Mc 5.7).

2.       O diabo treme quando é desestabilizado – "E rogou-lhe encarecidamente que os não mandasse para fora do país" (Mc 5.10). Ele se sente ameaçado quando as suas estruturas são tocadas. Muitas vezes o diabo está aninhado, domesticado, e o Evangelho chega para destruir suas obras . Satanás é bicho manso, renhido, tinhoso, que se agrada de continuar na penumbra, incomodando sem ser incomodado. Agindo sem ser desmascarado. Nada pode ser mais ameaçador para satanás que o lançar luz nas suas artimanhas e descobrir seus métodos, porque isto desestabiliza sua forma de ser e agir. Confronta seus planos.

3.       O diabo treme quando o povo de Deus ora – Nós pouco entendemos do poder da oração. Apesar de ouvirmos tantas coisas sendo ditas a este respeito, ainda ignoramos a eficácia da oração e somos ingênuos quanto a este assunto. Por isto não oramos, não aprendemos o poder que é liberado para o povo de Deus quando este ora. Nossas reuniões de oração estão entregue a míngua, a liderança não tem o hábito de orar. Deixamos nossas vidas desprotegidas, a igreja fica descoberta espiritualmente. Oração traz santificação espiritual, agita os céus e faz estremecer o inferno.

4.       O diabo se apavora quando pessoas se convertem – Satanás treme também quando vidas começam a ser trazidas do império das trevas para o reino do filho do Seu amor. Quando pessoas que estavam sendo guiadas pelo príncipe da potestade do ar, se entregam a Jesus, e saem do seu domínio. Muitas pessoas se tornam religiosas, mas isto não é o bastante, temos que nos converter. Entregar nossa vida de forma incondicional a Deus, nos rendermos a Jesus. A entrega de nossa vida a Deus pode se tornar uma grande luta espiritual, mas só existe uma forma de romper do domínio do diabo em nossas vidas. Uma entrega incondicional e plena a Cristo. Reconhecer nossos pecados, reconhecer nossa necessidade de Deus, entender o plano de Cristo naquela cruz e voltarmos para Deus. O diabo se sente ameaçado quando um pecador larga seus vícios, sua justiça própria e volta-se para Deus.

5.       Satanás enfraquece quando o Perdão é oferecido – Satanás é profundamente confrontado com perdão. Ele é aquele que divide. Então, a amargura, o ressentimento, o ódio, se tornam armas extremamente eficazes nas suas mãos. Com tais armas ele mantém muitas vidas cativas, sem liberdade interior. Perdão libera vida, traz reconciliação, restaura lares, unifica igrejas. O diabo perde seu domínio quando reina a paz e o perdão. Satanás se nutre da força que damos a ele, e perdoar é retirar sua força. "A quem perdoais alguma coisa, também eu perdôo (...) para que satanás não alcance vantagem sobre nós" (2 Co 2.10). Satanás obtém vitória sobre nossa vida quando não perdoamos.

6.       Satanás é desmascarado pela Confrontação – É o que vemos Jesus fazendo aqui. Ele confronta o mal, desmascara o mal, expõe sua estratégia trazendo-a a público. Por que o diabo habitava ali por tanto tempo? Porque ele não era percebido. Paulo afirmava que nós, como igreja e povo de Deus, "...não lhe ignoramos os desígnios" (2 Co 2.11). Às vezes questiono se esta tem sido a nossa experiência, de ter consciência de seus desígnios. Se não temos, precisamos pedir a Deus, nosso Pai, para que nos dê dons de discernimento, para aprender a discernir de forma madura, a estratégia do diabo contra nossas vidas, nossos lares, nossa igreja e nossa sociedade. Não podemos ter convivência pacifica com o diabo, mas precisamos aprender a confrontar ousadamente as forças espirituais das trevas que conspiram contra nossa santidade e contra o reino de Deus.

Como Jesus lida com o Mal

 – Este texto nos ensina como Jesus lidava com o inimigo.

1.      A primeira ação de Jesus é de amor para com aquele homem violentado e dominado pelo diabo. Jesus tem compaixão dele. Isto é evidenciado por dois fatos aqui relatados. O primeiro deles é que Jesus vai se encontrar com este homem. Aproxima-se de sua história de dor e angústia, de aprisionamento e sofrimento. Segundo, porque nada que Jesus faz é desproposital. Em Gadara, que ficava do outro lado do Mar da Galiléia, o único ato público foi libertar esta vida, já que todos os moradores pediram para que Jesus saísse de lá após terem prejuízos em seus negócios. Jesus faz toda esta viagem, só para libertar uma vida. Jesus amou aquele homem, e veio para trazer libertação ao seu coração. Temos que aprender a lidar com compaixão e sensibilidade para com aqueles que são vitimados pelo diabo, e já não conseguem mais superar o domínio acachapante que ele tem exercido sobre suas vidas.

2.      Jesus confronta o mal – ele desmascara o diabo, mostra quem está por detrás daquele quadro caótico, desta alma em sofrimento. Este mesmo poder Jesus ofereceu e tem dado a sua igreja: "Eis ai vos dei autoridade para pisardes serpentes e escorpiões e sobre todo o poder do inimigo, e nada, absolutamente, vos causará dano" (Lc 10.19). Jesus é o “homem mais valente” da parábola que ele mesmo contou em Mc 3.20-30. Ele acorrentou o homem valente na cruz. Ele fez isto da forma mais estranha: morrendo na cruz. “também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a saber, o diabo, e livrasse todos que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida” (Hb 2.14-15). Através de sua morte, ele venceu o mal. O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, torna-se o leão da tribo de Davi que tem as chaves da morte e do inferno.

3.      Jesus restaura o equilíbrio para o homem – Traz graça ao seu coração, o faz novo, equilibra suas emoções. "Indo ter com Jesus, viram o endemoninhado, o que tivera a legião, assentado, vestido, em perfeito juízo" (Mc 5.15). Aquele homem desassossegado encontra tranqüilidade, aflito encontra paz, ferido encontra cura, desnorteado encontra direção, com vínculos quebrados encontra relação. Jesus  ordena que volte para sua casa, por que talvez outras pessoas da sua família estivessem precisando da mesma graça e do mesmo poder que ele agora experimentava em sua vida. "Vai para tua casa, para os teus, anuncia-lhes tudo o que o Senhor te fez e como teve compaixão de ti" (Mc 5.19).

4.      Jesus valoriza mais a vida que os bens – O texto nos revela o enorme contraste entre o capitalismo desumano daqueles homens e a sensibilidade espiritual de Jesus. Quando tiveram prejuízo não quiseram Jesus. A lição é a seguinte: Se for necessário passar por prejuízo para que a vida floresça em você, não se assuste, Deus pode fazer isto e fará. Mas o mais importante é perceber onde os valores do reino estão colocados. Jesus dá valor ao ser humano, porque "O Filho do homem veio buscar e salvar o perdido" (Lc 19.10).


Fuja de toda forma do mal

O mal veste muitas faces e se apresenta de formas variadas, por isto o apostolo Paulo nos exorta a fugir de toda aparência do mal (1 Ts 5.22). Uma de suas formas mais sutis é o diabo travestido de bondade (2 Co 11.13-15) ou espiritualidade para acobertar o coração maligno (1 Tm 6.3-6). O mal pode ter aparência de bem, com carinhas simpáticas para levar homens ao inferno. Como cristãos devemos estar alertas e fugir de “toda forma do mal”. Nem tudo que é mal tem forma de mal, nem tudo que é bom, “parece” ser bom. Por isto, o cristão deve fugir de tudo aquilo que conspira contra o reino de Deus, ainda que venha de forma dissimulada. O mal tem muitas formas, não se identifique com nenhuma de suas caricaturas. “Fugi da aparência do mal” (5.22). Mas, acima de tudo, devemos ter cuidado com o mal travestido de bondade, pois quanto mais sutil, mais diabólico (5.2). É como espinho de peixe, quanto menor, mais perigoso. Afinal, o diabo veste Prada.

Quais são as formas do mal?

1.       O Mal, em todas as suas formas, primitiva ou sofisticada, sempre traz prejuízo físico e moral aos outros – Mal em inglês é evil, que de trás para frente é live que significa viver. Scott Peck afirma que o mal é anti-vida, é o oposto da vida. Onde ele se revelar a vida perde sua intensidade e valor. Paulo afirma: “não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem”. Quando tentamos vencer o mal com mal, entramos na esfera do diabo, e as conseqüências podem ser muito graves. Ao usar os princípios do mal, saímos da esfera do sobrenatural e nos tornamos abertos ao demônio. Por isto a bíblia diz, por exemplo, que “a ira do homem não produz a justiça divina”. Isto tem a ver com a vingança, quando queremos retribuir alguém mal por mal. A ausência de perdão faz com que recusemos agir de forma bondosa para ferir quem nos feriu, e nós sabemos muito bem os efeitos da ira, ausência de perdão e vingança na vida dos seres humanos.

2.       O Mal, na sua forma mais perversa, torna Deus secundário ou descartável em nossa vida. Quando as bases de nossa ética não são mais os absolutos de Deus, ou quando operamos com base na nossa carnalidade e nos impulsos pessoais, estamos desprezando os conselhos de Deus e sua orientação. Os princípios de Deus, são para nortear nossa vida e nos orientar, seu propósito é nos dar vida. Muitas vezes desprezamos a orientação da Deus e fazemos as coisas à nossa maneira.
A Bíblia, porém, nos leva a pensar nos riscos de fazermos as coisas usando nossas próprias armas. O salmista afirma: “Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo?” (Sl 11.3). Quando retiramos de nossas vidas a orientação de Deus, o que passa a nortear nossa caminhada? A característica do mal é a substituição de Deus e a centralização do homem. O homem é egocêntrico e sofisticado na sua forma de malignidade, e quando faz da sua forma sempre perde a referência de Deus e sofre um processo de auto engano.

3.       A Palavra de Deus nos exorta a não apenas fugir do mal, mas nos adverte para fugirmos da aparência do mal – Existe muita coisa que não é má em si, mas aparenta ser mal. Alguns anos atrás um amigo me ensinou que “o cristão não pode ser apenas bom, ele tem que parecer bom”. Quando nos assentamos com lobos, aprendemos a uivar. Fuja do mal, mas fuja também de sua aparência. Associações e alianças comprometedoras que podem nos identificar com o mal são péssimas para o testemunho cristão.

O Futuro do Mal
Embora o mal seja real em nosso mundo, ele não ficará para sempre. Deus prometeu que haverá um novo mundo após a segunda vinda de Jesus. Será um mundo sem choro, dor e morte. Tudo será feito novo (Apocalipse 21:5). O paraíso que Adão e Eva perderam será recuperado. Enquanto isto não acontece, os cristãos têm que lutar contra o mal, a imoralidade e a corrupção. O cristão não se conforma com o mal e chama as coisas de certas quando são erradas. O cristão também aborrece e odeia o pecado.
Apesar de não entendermos a complexidade destes fatos, somos exortados a lutar contra toda forma de expressão, violência e anti-vida com a qual nos defrontamos. “Precisamos resgatar a capacidade de indignação e dor diante da miséria que assola a América Latina” (Oscar Bulhole). Devemos lutar contra toda expressão satânica ou humana do mal, da injustiça e da opressão, lembrando que “A religião pura e sem mácula para com nosso Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tg 1.27).
O mal não pode ser explicado em todas as suas dimensões, mas isto não pode levar-nos a uma atitude cômoda em não combatê-lo com a prática do bem. O mal e a dor podem não ser teologicamente explicados, mas devem ser confrontados com o exercício do bem e da promoção do Reino de Deus. Quando somos a vítima do mal, somos também desafiados a enfrentá-lo com coragem, fé e esperança. “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12.31).

Como vencer o mal?

Muitas vezes o mal nos assola de forma impetuosa e dolorida. Somos vitimados sem termos qualquer possibilidade de reação. São famílias que perdem seus entes queridos porque uma pessoa irresponsável estava encharcada de álcool dirigindo um carro. Outros sofrem abusos morais, psicológicos e sociais, alguns são abusados sexualmente, infamados, injuriados. Todos os dias, muitos são os  impactados pelo mal em suas vidas. Como responder a ataques malignos. Como devemos agir?
Em Rm 12.9-21 vemos um belíssimo tratado de Paulo sobre a forma como devemos lidar com o mal. O texto inicia com a afirmação: “Detestai o mal, apegando-vos ao bem”(Rm 12.9), e termina afirmando: “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem”( Rm 12.21). Inicia e termina com a idéia do mal. Isto demonstra que o mal encontra-se diante de nós, e que devemos saber como lidar com ele. Quando alguém me faz o mal, como devo reagir? Quais devem ser minhas reações às agressões sofridas? Que orientação posso encontrar na Palavra de Deus sobre este assunto?
Este texto nos exorta a “vencer o mal”. Por isto é importante analisar mais profundamente estas verdades. A vitória sobre o mal é uma possibilidade genuína (Rm 12.21). A batalha na vida cristã é uma oportunidade (e não apenas um desafio), para superarmos a obra do mal em nossas vidas.
Muitos ficam se lamentando diante do mal: As pessoas me fizeram isto, meu marido fez isto, meu amigo, meu chefe, meu companheiro de trabalho, me filho, as circunstâncias, etc. Nós não temos dúvida que pessoas fazem o mal contra nós, e de muitas formas. O mal está fortemente presente no nosso dia a dia. Mas o fato de terem feito o mal contra nós não é razão para nos sentirmos derrotados. Deus nos ordena vencer o mal com o bem. Ele nos responsabiliza em responder de forma positiva aos ataques recebidos e afirma que é possível vencer o mal.
Que tipo de inimigo é este? Como afirmamos no inicio, o mal na Bíblia não é algo genérico e abstrato, mas possui personalidade, é personificado, se opõe a Deus e é direcionado contra nós, por isso precisamos derrotá-lo. Ele quer atacar-nos, enfraquecer-nos e vencer-nos. Quando o mal consegue isso é mais que uma tragédia pessoal. O nome do Evangelho, da igreja e de Cristo é envergonhado. Precisamos vencer o mal por causa da glória de Deus e do Evangelho.
Jay Adams afirma: “A essência do mal, então, está, não no fato de que ele tem poder para lhe causar sofrimento (que é o seu efeito), nem no fato de que ele foi provocado (O que o torna hediondo), mas no fato de que ele é contra Deus... é mal contra um cristão porque ele é um cristão”. Este ataque envolve você e exige uma resposta cristã baseada em Deus. A luz sempre vence a treva. Trevas e sombras não podem superar a luz. Quando surge o sol a noite desaparece. Nós somos luz!
Temos vencido o mal em nossa vida ou temos uma vida de derrota? Nossa vida é uma batalha e o cristão é chamado para esta guerra. A cruz não foi uma atitude passiva de Cristo. Ele veio destruir as obras do diabo (Hb 2.14) e triunfou dos principados e potestades na cruz. Ele deu sua vida, ela não foi tomada. A cruz foi ativa. O cristão não é hinduísta (que prega a não violência), mas é o ser mais violento na face da terra. Ele recebeu ordens de Deus para lutar e derrotar o mal. É um exército do bem, mobilizado para vencer o mal.

Quais são nossas armas?

Paulo diz que elas não são carnais, mas poderosas em Deus (2 Co 10.4). Este exército deve usar armas apropriadas para vencer o mal. Os métodos e as armas do mundo não trarão vitória. Quando eles fazem o mal, nós fazemos o bem. Esta é a ordem do Senhor da batalha. Não existe outra opção, devemos seguir sua orientação.
O método de Deus é importante. O único jeito de vencer o mal é com o bem. Você não vai conseguir vencer o mal usando as armas do mal.
O que normalmente fazemos quando sofremos ofensas?
·         Veja o que ele fez comigo...
·         Estou fazendo apenas o que eles me fizeram...
São sentimentos que em geral expressam nossa frustração. Não é de se admirar porque há tanta falta de poder hoje na igreja, você não pode vencer o mal agindo com maldade.
A estratégia divina pressupõe que o mal não tem o poder que o bem possui. Quando o cristão se encontra na batalha ele deve usar as armas de Deus. Os métodos de Deus. Quando desobedecemos as ordens de nosso general, o exército de Deus se enfraquece grandemente.
O mal é uma força formidável. Um exército bem armado. Às vezes achamos que é impossível vencê-lo. Jesus nos treina para usar determinadas armas, quando usamos as armas do mal somos derrotados. O mal é poderoso, mas o bem ainda é maior. Só o bem poderá derrotar o mal. Trevas só podem ser vencidas com a luz. É uma lástima quando homens de Deus resolvem usar armas do diabo, porque acham que só as armas do diabo funcionam.
Quando o bem é usado de forma consistente, fiel e vigorosa, o inimigo é derrotado. Você foi chamado para ser vitorioso. Não lhe parece muito fácil, simplista e irrealista a proposta da Palavra de Deus?
Como você tem lutado contra o mal? Você tem usado as armas de Deus? Então esqueça seus medos e dúvidas. Use as armas corretas e confie nas ordens de seu general. Pare de tentar lutar usando seus métodos e sua estratégia, pare de tentar fazer por você mesmo. Você é um soldado, obedece ordens, não um comandante, responsável por dar as armar e as estratégias. Então, pare de ser insubmisso ao seu chefe, que é Jesus!


Conclusão:

Praset é uma frágil Thailandesa, com quem minha esposa, Sara Maria, teve o privilégio de conviver durante os dias de treinamento para Liderança cristã ministrado pelo Instituto Haggai em 2007. Ela fazia parte da única família cristã da região onde morava. Certa noite, enquanto oravam um grupo de pessoas resolveu invadir a sua casa arrombando as portas e janelas e começaram a jogar todas as suas coisas na rua: móveis, panelas, utensílios domésticos e roupas. Enquanto eles, de forma aparentemente impassível, continuavam a orar e a chorar diante de Deus, ainda que temendo por suas vidas.
Quando as pessoas foram embora, eles começaram a recolher os cacos de suas coisas, sem dizer uma palavra. Dias depois, aquelas pessoas começaram a se aproximar da família, tentando pedir desculpas e entender a atitude deles. Aos poucos, o testemunho do Evangelho começou a penetrar nos seus corações, e cerca de 100 pessoas vieram a aceitar Jesus como seu salvador pessoal. Esta é uma história que ilustra bem como o bem tem vencido o mal.
A cruz é o supremo exemplo de como usar o bem para derrotar o mal. Todos os poderes do inferno lutavam contra Deus. Como Jesus superou?
Transformou a vergonha da cruz (maldito), em um lugar de glória e salvação. Deus gloriosamente triunfou sobre a cruz. A morte parecia seu destino final, mas transformou-se no evento glorioso da ressurreição, e fomos beneficiados com a vitória do bem sobre o mal, que se deu na cruz.
Cristãos derrotam o mal, fazendo o bem. Esta é a grande estratégia de Jesus!


Samuel Vieira
Anápolis, 20 de Julho 2008


Bibliografia:

Adams, Jay - How to overcome evil. Phillisburg, New Jersey, Presbyterian and reformed Publishing, Co 1977, pg 11

Anderson, Neil T - The bondage breaker, Eugene, Oregon, Harvest House Publishers, 1990.

Buber, Martin – Good and evil. New York, Charles Scribner´s son, 1953

Fitch, williamDeus e o mal, São Paulo, Ed. PES, 1984

Johnson, Darrel WWho is Jesus? Vancouver, Canadá – Regente College Publishing, 2011, pg. 83

Lewis, C. S - The screwtape letters, New York, New American Library, 1988, pg xix.

Linthicum, RobertCidade de Deus, Cidade de Satanás, Belo Horizonte, Missão Editora, 1995

Peck, M. Scott - People of the Lie, New York, Simon and Schuster, 1983

Hammond, Frank e Ida MaePorcos na Sala, São Paulo, Editorial Unilit, 1973

Sanford John, AMAL: O lado sombrio da realidade, São Paulo, Ed. Paulinas, 1981

Zimbardo, Philip – “O Efeito Lúcifer” São Paulo, Ed. Record, 2013





[1] Peck, M. Scott - People of the Lie, New York, Simon and Schuster, pg 182.
[2] Peck, op. Citado, Pg. 183.
[3] Buber, Martin – Good and Evil. New York, The Scribner Library, 1953, pg 139
[4] Zimbardo, Philip – “O Efeito Lúcifer” São Paulo, Ed. Record, 2013
[5] Entrevista na REvista Veja, ed. 2335, ano 46 – n. 34, de 21 de agosto de 2013.
[6] Harnack, Adolf Von – citado por Robert H. Stein, in  Mark, Baker exegetical commentary on the New Testament. Michigan, Grand Rapids, Baker Academic, 2008, pg 33.
[7] Lewis, C. S. – The screwtape letters, New York, New American Library, 1988, pg xix.
[8] Linthicum, Robert – Cidade de Deus, Cidade de Satanás, Belo Horizonte, Missão Editora, 1995, pg 51
[9] . idem, op. cit. pg 72
[10] Johnson, Darrel W – Who is Jesus? Vaoncouver, Canadá – Regente College Publishing, 2011, pg. 83
[11] . Johnson, op cit. 2011, pg 85

quarta-feira, 24 de julho de 2013

A Igreja Missional



Introdução:

A agência Missionária SIL, cuja sede brasileira está em Anápolis-GO, se reunirá no inicio de Agosto de 2013, para um congresso de obreiros e líderes, com o tema Joining in what God is doing. Esta é uma proposta bem identificada com a idéia de igreja missional, o tema que agora estamos propondo.
Existem hoje dois temas bem atualizados em missiologia. Trata-se da questão missionária e da questão missional. Termos similares que abrigam algumas diferenças de essência.
Quando se fala em igreja missionária pensa-se no envio de obreiros a regiões onde o evangelho ainda não foi pregado, e povos não alcançados. Quando se refere à igreja  missional, pensa-se na participação histórica da igreja nos eventos históricos onde ela se encontra inserida. Portanto temos aqui a necessidade de clarificação.

Igreja missionária
&
Igreja  missional,

Esta discussão enseja outros temas. Qual é o futuro das missões na visão da igreja contemporânea, ou uma igreja adaptada ao Século XXI. Pensa-se em termos de Missionários Profissionais ou Profissionais Missionários?
O primeiro é aquele que é enviado pela igreja, e recebe seu sustento da igreja local ou da denominação. Ele é alguém treinado para uma cultura distinta, para determinados projetos, sejam eles sociais ou evangelísticos, em contextos de diferentes backgrounds lingüísticos e culturais, ou até mesmo ambientes hostis.
O segundo é alguém qualificado academicamente, que coloca sua vida e profissão a serviço do reino. Exemplos antigos podem ser citados. Apenas em Anápolis dois nomes não podem ser esquecidos. Dr. James Fanstone, que veio ao Brasil na década de 20 e aqui fundou o Hospital Evangélico, e Dr. Rettie Wilding, que veio da Inglaterra para trabalhar com a saúde dos nativos na região do Araguaia. São os fazedores de tendas, que à semelhança do Apóstolo Paulo, não dependia de recursos das igrejas para seus projetos, mas viviam no exercício das suas funções, fazendo um link com a sociedade e pregando o evangelho.
Podemos citar alguns exemplos contemporâneos:
O missionário Eliezer Camargo é agrônomo, trabalha no norte da África, desenvolvendo projetos agropecuários, num dos países mais fechados ao Evangelho. Ele e sua esposa tem a tarefa de ensinar as pessoas da região, a plantarem lavouras com maior eficiência e produtividade, e desta forma testemunharem a vida de Jesus para aquelas pessoas.
Recentemente a Uni- Evangélica, em parceria com o Missionário Lidório, criou o projeto Amanajé, curso de Mestrado em Antropologia, com reconhecimento pelo MEC, preparando alunos para o trabalho missionário nas regiões indígenas. A FUNAI está dificultando cada vez mais a aprovação de missionários no meio dos índios, mas precisam de pessoas com formação acadêmica, que possam servir a estes povos. Paga-se bom salário, dão todo apoio para enviar seus funcionários. Então, o caminho parece ser a qualificação de pessoas na área de saúde como Enfermagem, Medicina e Odontologia, e mesmo professores, para trabalharem nestas regiões inóspitas e testemunharem o evangelho de Jesus a estes povos não alcançados.

O debate entre a Igreja missionária e a Igreja missional tem gerado uma boa discussão teológica. Dois nomes de peso já travaram embates sobre este tema, cada um defendendo seu ponto de vista. Ed Startz, que esteve em Agosto/2012, ministrando na conferencia da CTPI, é um ardoroso defensor deste modelo. Idéia originalmente formulada por Leslie Newbigin, que afirmava que o papel da igreja é identificar o mover de Deus na história e se inserir neste movimento, para cooperar com Deus.
Newbigin afirma que devemos aprender a discernir o que o Senhor está fazendo. A igreja missional é aquela que abraça o caráter de Deus. Rick Warren populariza este conceito ao afirmar que “a igreja não é chamada para fazer ondas, mas surfar nas ondas de Deus”. O que Deus tem a ver com os eventos atuais, e como se inserir nesta direção, unindo àquilo que Deus está fazendo.

Isto propõe uma nova perspectiva:

Missionários Profissionais
ou
Profissionais Missionários?


Uma análise no livro de Ester
Para nossa fundamentação teológica, queremos caminhar na direção do livro de Ester. Um livro quase que esquecido das páginas da Bíblia. Quantos sermões você já ouviu a partir deste livro?
O contexto deste livro é a Cidadela de Susã. A mesma na qual Neemias se sente chamado para a reconstrução dos muros de Jerusalém.  Era a residência oficial do rei nos dias de inverno pelo seu excelente clima. O rei Assuero tinha sobre seu comando 127 províncias (Et 1.4), desde a Índia até a Etiópia. Ele era um rei festeiro, e resolveu fazer uma  festa  para seus assessores com a duração de 6 meses, além disto, ainda fez uma festa para o seu próprio povo com a duração de 7 dias, sistema all inclusive (Et 1.8), na qual os  súditos  podiam  beber  e  comer  "sem constrangimento". A rainha Vasti, de uma beleza estonteante, se recusa a comparecer perante o rei quando este solicita. Isto gera um constrangimento no palácio, e para o poderoso rei diante de seus súditos, e seus conselheiros não dão outra opção para o rei, senão cassar a rainha de sua nobreza. Tal medida era preventiva, caso contrário, esta atitude feminista, poderia desencadear outras reações iguais em todas as províncias.
Este incidente ordinário, resultado da intransigência de uma rainha caprichosa e de um rei autoritário, torna-se o pivô para o resgate de um povo que seria massacrado numa terra estranha, como tantos povos já o foram, como recentemente o povo curdo no Iraque.
Uma nova rainha é buscada entre as províncias, para substituir Vasti, e Ester, uma menina órfã, exilada desde a invasão de Nabucodonozor e criada pelo seu tio Mordecai, é a jovem escolhida. O que sabemos de Ester além deste fato é bem pouco conhecida, ela  era de  boa aparência e formosura (Et 2.7) muito simpática, e achou graça diante das  pessoas, desde as jovens que a preparavam até Hegai, o Eunuco de confiança do rei (Et 2.15), que era  o  chefe.  Sábia e prudente, Ester soube como se comportar, não fez exigência alguma e foi nomeada rainha (Et 1.15)
Paralelo à história de Ester, e este desenrolar dramático no governo de Assuero, Hamã, o segundo homem na hierarquia travava um disputa particular com o desconhecido Mordecai, que se recusava a se curvar diante dele por foro íntimo ou questão religiosa quando ele passava desfilando sua glória. Hamã se indignava por isto, pois tal atitude lhe parecia uma afronta e isto muito lhe aborrecia.
Hamã decidi então perseguir o povo de Mordecai, e monta uma estratégia para exterminar o povo judeu, e o rei, sem conhecer muito bem destes meandros e interessado nos benefícios financeiros, não se opôs à idéia e a aprovou. O restante da história pode ser lido no agradável relato que o livro faz.
Ester se tornar uma missionária do cotidiano. Ela que não sabia de nada, é colocada na função de rainha, para libertar seu povo. Mordecai a incita a uma atitude com uma questão central: "Quem sabe se para tal conjuntura como esta  é  que  foste elevada a rainha?" (Et 4.14)
O grande projeto de Deus para o universo sempre foi a encarnação. Quando ele quis abençoar todos os povos, tribos e nações, ele assumiu a forma humana e fez sua tenda entre nós (Jo 1.14). Este é o método de Deus. Da mesma forma, Deus deseja usar hoje o seu povo, para a realização de seu projeto. Esta é a estratégia de Deus!
O livro de Ester, nos ensina algumas lições importantíssimas para nossa vida:

1. Deus tem um plano e está se movendo na história
A recusa de Vasti é prova disto. Deus age sobrenaturalmente na aparente naturalidade dos fatos. Este contratempo nas intrigas palacianas torna-se o meio pelo qual Deus vai proteger seu povo e cumprir seu propósito.
Um antigo hino diz:
“Os seus intentos cumpre Deus no decorrer dos anos,
Ele executa o seu querer, de acordo com seus planos”.

Não podemos ignorar os eventos esporádicos, estranhos e bizarros da vida, mas criar uma impressão de sobrenaturalidade, nos eventos cotidianos. Jó, depois de passar por tantas situações inexplicáveis relacionados á sua própria vida, declara com convicção: “Eu sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos, pode ser frustrado” (Jó 42.2).
Qual é a nossa profissão, qual é a nossa vocação? Deus vai usar seu currículo para a glória dele, e para execução de seus planos. Precisamos apenas nos dispor e dizer: “Eis-me aqui. Senhor, envia-me a mim”.

2.  Deus nos proíbe fechar os olhos e ficar em silêncio -
Ester parece ter o impulso da omissão, alegando sua impotência diante de algo tão grandioso, mas Mordecai faz questão de alertá-la sobre o impulso de se servir do cargo para usá-lo  em  benefício próprio."Mandou dizer-lhe: Não pense que pelo fato de estar no palácio do rei, você será a única entre os judeus que escapará, pois, se você ficar calada nesta hora, socorro e livramento surgirão de outra parte para os judeus, mas você e a família do seu pai morrerão. Quem sabe se não foi para um momento como este que você chegou à posição de rainha?” (ET 4.14-15).
O silêncio e a omissão podem ser fatais para a igreja de Cristo, chamada para ser o corpo de Cristo na terra: Voz, braços, mãos, ouvidos...
M.L.King Jr, ativista negro que transformou a história dos Estados Unidos era um pastor, mas um homem com profunda dor ao ver como os negros eram tratados, então, escreve da prisão, uma dura carta aos seus colegas de ministério, que eram da igreja Batista do Sul: "A história terá que registrar que  a  maior  tragédia  deste período de transição social não foram as palavras e atos  violentos  de gente ruim, mas o silêncio e a indiferença de gente boa. Nossa geração terá que se arrepender, não só das palavras e atos dos filhos das trevas mas também dos receios e apatias dos filhos  da  luz".  Henry Niemuller fez parte do grupo de cristãos que se colocaram contra a política de extermínio de Hitler. Ele criou um bordão para incomodar pessoas assentadas confortáveis no seu silêncio e apatia. “Primeiro vieram buscar os anarquistas, mas como eu não anarquista, não me importei; depois vieram buscar os comunistas, mas como eu não comunista, não me importei; depois vieram buscar os judeus, mas como não sou judeu, não me importei; e agora vieram buscar a mim, e ninguém se importa”.  

3.  Todo confronto põe em risco a integridade física -
Ester sente o peso de sua tarefa: Então Ester mandou esta resposta a Mardoqueu:Vá reunir todos os judeus que estão em Susã, e jejuem em meu favor. Não comam nem bebam durante três dias e três noites. Eu e minhas criadas jejuaremos como vocês. Depois disso irei ao rei, ainda que seja contra a lei. Se eu tiver que morrer, morrerei” (Et 4.15,16).
Não existe confronto e engajamento sem risco. Existir é um risco. “viver é perigoso” como dizia Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa em Grande sertões: veredas. Ser uma igreja participante na história traz riscos. Em At 4.19 vemos a desobediência voluntária e consciente da igreja de Cristo, ao serem proibidos pelo Sinédrio, de pregar o evangelho. Francis Schaeffer afirma que "Há momentos em que não apenas podemos desobedecer as autoridades, mas devemos fazê-lo".
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4.Nenhuma decisão será eficaz sem engajamento comunitário -
O texto nos mostra que duas posições, com ações claras e objetivas foram tomadas:

a)- É necessário buscar a direção de Deus - Vá reunir todos os judeus que estão em Susã, e jejuem em meu favor” (Et 4.15,16). "três dias de jejum". Quais foram os efeitos desta oração?
Em todo momento histórico, a igreja deve buscar seu refugio e fortaleza em Deus, até mesmo para morrer, se necessário for. "Quando oramos movemos os céus, o inferno treme, e alguma coisa acontece na terra" (Pr. Jeremias Pereira).

b)- É necessário engajamento – Mordecai fica por perto, cobra postura, não aceita o “cala-boca” que Ester lhe manda. Ele sabe que as pessoas no palácio tendem a se isolar. Ester, por sua vez, cria uma estratégia de ação, convidando Hamã e o rei para um jantar em seu palácio. Não age impulsiva, mas estrategicamente.
Este é o papel da comunidade. Precisa assessor os que se encontram em posição de destaque.

c)- A Igreja precisa exercer sua função profética – Aqui representada na figura de Mordecai, que faz um verdadeiro movimento  de  protesto  quando  Ester  lhe manda ficar calado. A hora não era de enviar um agrado, era mesmo de pano de saco e cinza. Mordecai recusa, não se deixa subornar, não aceita presente para ficar calado e aponta os erros.
Deus transformou a tragédia em vitória. Deus mudou os rumos históricos, em vez de "Pur", sortes (Et 9.24), surgiu o "purim", libertação (Et 9.32).

Conclusão:

Deus age na história usando seus instrumentos. “Se de todo te calares”. Precisamos identificar este mover de Deus e cooperar no chamado que ele nos tem feito.

A discussão entre igreja missionária e missional, parece-me desnecessária. Ela precisa ser missionária, enviando, sustentando, apoiando projetos; e precisa ser missional, envolvendo-se, participando, nos desafios que Deus levanta na história. 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Ct 2.15 APANHAI-ME AS RAPOSINHAS



Introdução:


O que significa esta expressão quando olhamos o contexto do livro de Cantares? Que mensagem figurativa estas raposinhas nos trazem?
O texto afirma que elas devastam os vinhedos, e são uma grande ameaça às vides em flor. Elas destroem as flores, símbolo da alegria e da graça, e ainda prenunciam outro desastre maior: Eliminam a possibilidade de colheita, já que das flores surgem os frutos. Estes "pequenos invasores" são, portanto, altamente destrutivos, precisam ser localizados e pegos. Não podem andar em liberdade caso contrário destruem as vides em flor, causando grandes males.
No contexto de Cantares, e a partir dele, gostaríamos de falar de algumas destas ameaças destrutivas que rondam nossas casas.

  1. Sistema Social – Esta é uma das grandes ameaças que percebemos no texto, e uma das grandes ameaças de hoje. A Sunamita é retirada da casa de seu pai, e Salomão paga os mil siclos, que era o valor do penhor dado à família (Ct 8.12). Literalmente ela é vendida num mercado de competição, numa sociedade inescrupulosa. A família, também, ao mesmo tempo que é vítima de um sistema, reproduz este sistema, aceitando a troca.
No contexto de Cantares, e a partir dele, gostaríamos de falar de algumas destas ameaças destrutivas que rondam nossas casas. Existem pecados endêmicos, sistêmicos e estruturais na sociedade, que afetam gerações, como podemos perceber em Sodoma e Gomorra, quando o texto nos diz que "velhos e jovens", queriam participar de uma bacanal. Aquele comportamento transcendia o limite de um ato de vandalismo isolado, e fazia parte de uma sociedade como todo. São comunidades que perderam o conceito de valor (Ex Gn 19.4).
O “peer pressure”, o conteúdo didático, a cultura, tornam-se grandes ameaças à unidade, alegria e prazer do casamento, destruindo as vides em flor. Precisamos estar alertas contra a força da cultura que nos rodeia. É importante lembrar que quando o homem pecou, toda sua mente, valores e cultura, também caíram. Vivemos numa sociedade pervertida e corrupta, que nos pressiona a reproduzir o modelo que ela mesma criou.
Vejamos como o sistema opera no texto:

q       A força dos poderosos – Com sua capacidade de comprar, dispor, negociar (Ct 8.12). Numa sociedade capitalista, o dinheiro passa a ter um poder quase absoluto, e precisamos aprender a resistir à sua força, e destruir seu poder idolátrico que é exercido sobre nós, seres caídos numa sociedade caída.

q       A fragilidade das famílias – A família da Sunamita permite que sua filha seja vendida e trocada como mercadoria. Ela é negociada para atender a um sistema e assim, entregue a Salomão, mesmo que pessoalmente se sinta impotente e massacrada como revela no início do livro de Cantares. “A vinha, porém, que me pertence, não a guardei” (Ct 1.6). Sua afirmação revela sua tristeza e incapacidade de fazer alguma coisa.

q       O conceito da comunidade – expresso nas “filhas de Jerusalém", (Ct 2.7; 3.5; 5.8) que vivem no harém do rei (Ct 1.4) e que não apenas aderiram ao modelo social, achando a atitude do rei como normal, mas que tentam exercer pressão, mesmo diante das seguidas afirmações da sulamita para que não forçassem o amor, até que este brotasse naturalmente.

Vivemos realidades semelhantes hoje:
q       Pressão da mídia: Que insiste em nos fazer concordar, aceitar e até mesmo agir de acordo com aquilo que julgam ser eticamente correto. Somos diariamente bombardeados a crer que o homossexualismo é normal e eventualmente deve ser até encorajado; revistas bombardeiam nossas crianças e jovens a terem sexo cada vez mais precocemente, provocando uma erotização de nossa cultura. O sexo pré conjugal e a perda da virgindade são não apenas aceitos, mas estimulados. O mesmo atinge a família com o bombardeio contra sua santidade, e encorajamento ao adultério.

q       Valores familiares em crise: Pais não sabem mais o que é certo. Tudo é relativo, circunstancial. Os filhos vivem no meio de uma sociedade que pressiona, a família desorientada. Não há limites para a sensualidade e quebra de decoro. Músicas e artes conspiram contra tudo aquilo que até bem pouco tempo atrás era considerado decoro. Recentemente uma pessoa esteve numa festa de rodeio, e um cantor chegou no palco e disse para estimular a platéia: “Quem aqui já adulterou hoje?” e obtendo uma resposta quase unânime de apoio.

  1. Falta de fidelidade -  Esta é a segunda “raposinha” que devasta o vinhedo em flor, que rouba a alegria de uma casa, e que mata a possibilidade do surgimento de frutos maduros: Trata-se do adultério, que apesar de ser tão corriqueiro em nossa cultura, traz grandes depressões, dores e stress numa família. Quem viveu com a realidade da infidelidade dentro de casa, e teve que ver discussões, ameaças, dores, culpa e raiva por causa da traição, sabe muito bem do que estou falando.

Em Cantares vemos:
q       A angústia da sulamita: Existe uma oposição entre a tristeza revelada no texto inicial de Ct 1.6, com a alegria dela no final do livro (Ct 8,10,12). Este paradoxo intencional aponta para uma dialética. O livro possui uma progressão e parece nos revelar que, apesar de toda pressão que ela enfrentou, ela foi tida por “digna da confiança de seu amado”.

q       O texto de Cantares exalta a fidelidade, faz críticas  ao sistemas e zomba da exploração. O amor é reservado (7.13), exclusivo, privado (4.12; 5.1) e o relacionamento é marcado por compromissos e uso símbolos (Ct 8.6). Tudo isto revela a importância de não permitirmos que a infidelidade norteie nossas relações.

Na verdade, uma das “raposinhas mais devastadoras” de um relacionamento é a infidelidade. Poucas coisas são tão nocivas à vitalidade de um casamento e a beleza do encontro de um homem como uma mulher.

3.       Falta de confiança, credibilidade e ciúme (Ct 8.6-7). A terceira ameaça que podemos encontrar passa por estas vias do ciúme e da desconfiança.
A idéia central de Cantares encontra-se nestes versículos: “Coloque-me como um selo sobre o seu coração; como um selo sobre o seu braço; pois o amor é tão forte quanto a morte, e o ciúme é tão inflexível quanto a sepultura. Suas brasas são fogo ardente, são labaredas do Senhor. Nem muitas águas conseguem apagar o amor; os rios não conseguem levá-lo na correnteza. Se alguém oferecesse todas as riquezas da sua casa para adquirir o amor, seria totalmente desprezado (Ct 8.6-7)
Uma das coisas mais bonitas em Cantares é a presença da confiança entre os cônjuges. O lamento dela em Ct 1.6 “A vinha que me pertence, esta não a guardei”, contrasta com o orgulho que sente ao afirmar: “Eu sou um muro, sendo assim, fui tida por digna da confiança do meu amado” (Ct 8.10). Ela se sente muito feliz em não deixar nenhuma sombra de dúvida sobre seu compromisso, fidelidade e amor.
Muitos casamentos são marcados por cenas de ciúmes, e atitude que geram duvidas sobre a seriedade do compromisso. O ciúme é descrito no texto como algo que é “duro como a sepultura”. De fato, ciúme possui uma anatomia complicada:

A.      Ele é muitas vezes causado por nossa própria infidelidade – Pessoas infiéis tendem a desconfiar do outro. Mesmo que sua infidelidade seja apenas no nível da mente. Desta forma, a insegurança que ela sente sobre si mesma, ela projeta no parceiro.

B.       Tentativa patológica de proteção e controle – Pessoas ciumentas acreditam que por estabelecer um sistema de vigilância vão conseguir controlar o outro. A verdade é que ninguém consegue controlar, nem impedir que a pessoa infiel se comporte assim. Uma hora, “baixa-se a guarda!”, e o infiel vai correr atrás de sua carniça!

C.      Resultado da nossa baixa auto-estima – Muitas vezes o ciúme decorre do fato de que achamos que o outro, por ser superior, ou mais bonito, nunca nos ama. Pessoas possessivas tendem a ter uma auto estima baixa.

D.      Insegurança real ou imaginária – Eventualmente o ciúme brota porque o outro deu motivos para se desconfiar, mas muitas vezes ele existe por causa de uma insegurança imaginária. Vemos fantasmas e criamos associações complexas que não tem qualquer sintonia com a realidade.

Em Cantares vemos muitas verdades sobre, lealdade, espera e perseverança no amor. O conteúdo literário do livro exalta o fato de que eles confiam um no outro. O amor não gera suspeita. Eles são tidos por digno de confiança!

4.       Perda do Romantismo – Em Cantares temos muita linguagem romântica, carregada de afeto. Em Cantares 2.10 vemos a afirmação: “O meu amado fala e me diz”. Percebemos aqui que a gíria “falou e disse” foi criada há muitos anos atrás. Quando se cultiva o romantismo, o casamento se fortalece. Mas a perda desta linguagem e atitude romântica torna-se uma das principais portas para o tédio, monotonia e indiferença no lar. E isto pode ser fatal para um relacionamento vibrante.
Uma das cantoras pops que mais aprecia é Barbra Streissand, Ela tem uma música cujo título é "You don't bring me flower, anymore". (Você não me traz mais flores!) É uma música muito triste mas que revela o fato de como a falta destes cuidados pode ser devastador para a alegria do casamento. Eu diria que esta é uma das “raposinhas que devastam os vinhedos”.
Quando somos namorados, nossa linguagem é toda cheia de cuidados, ternura, declaração de amor e paixão, mas com o passar do tempo, corremos o risco do marasmo e do distanciamento. Reconquistar esta dimensão necessária entre um homem e uma mulher, mantendo sempre a chama da alegria, é um dos grandes desafios que temos em nosso casamento.
A Sulamita afirma: “Se encontrarei o meu amor, que lhe direis? Que desfaleço de amor” (Ct 5.8). Esta declaração revela como o romantismo é preservado neste livro.

5.       Sensualidade pobre e vazia – Este é a quinta e última ameaça que podemos perceber em Cantares. O livro é carregado de sensualidade. A linguagem é rica e forte. Em Ct 4.16, logo após a declaração de exclusividade, intimidade e paixão que o amado e amante faz à Sulamita, podemos ver como ela reage: “Acorde, vento norte! Venha, vento sul! Soprem em meu jardim, para que a sua fragrância se espalhe ao seu redor. Que o meu amado entre em seu jardim e saboreie os seus deliciosos frutos” (Ct 4.16). Ela convida o amado para vir, e desfrutar dos frutos saborosos que “seu jardim” tem para lhe oferecer. Esta é uma linguagem sensual. Muitos lares padecem por causa de uma sexualidade pobre, e isto sempre abre portas para a desconfiança e a infidelidade.
A resposta do Amado, segue a mesma linha de desejo: “Entrei em meu jardim, minha irmã, minha noiva; ajuntei a minha mirra com as minhas especiarias. Comi o meu favo e o meu mel; Bebi o meu vinho e o meu leite. Comam, amigos, bebam e embriaguem-se, ó amados” (Ct 5.1). Ele não apenas afirma que aceitou o convite de sua amada, mas que não hesitou em “comer o favo com o mel”. Definitivamente uma linguagem sensual e erótica.
Em muitos lares, cristãos e não cristãos, falta esta celebração do encontro do homem com sua mulher. Sensualidade pobre é uma grande ameaça!
Veja a exortação da Palavra de Deus no livro de Provérbios: Seja bendita a sua fonte! “Alegre-se com a esposa da sua juventude. Gazela amorosa, corça graciosa; que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer, e sempre o embriaguem os carinhos dela” (Pv 5.18,19).Uma casa onde marido e mulher fazem sexo com alegria e prazer, tem muito pouco espaço para a infidelidade e a monotonia.
Quando há riqueza sexual dentro do casamento, como vemos em Cantares (Ct 8.3), não há necessidade de buscar fora (Pv 5.15-21).

Conclusão:

Neste livro o nome de Deus não aparece. Certamente existe alguma coisa intencional nisto. O que está acontecendo?
A presença de Deus é percebida da forma sensível como a ternura, o cuidado, os valores estão presentes. Deus é percebido não com discurso, mas com a prática de amor. Quando trazemos Deus para nossos relacionamentos interpessoais a sua fragância se revela em nosso viver.
Alguém levantou a idéia de que para que uma pessoa fosse batizada na igreja, nossa preocupação não deveria ser tanto teológica, mas ligadas aos afetos. Muitos aprendem muita coisa sobre Deus, mas não sobre a vida e sobre a família.

Gostaria de concluir fazendo dois apelos:

1. Para aqueles que ainda não receberam a Jesus em suas vidas- Abra o seu coração para que ele entre, a vida cristã começa com a presença de Deus em nossas vidas, quando o recebemos em nossa história.

2. Perdão, enternuramento, celebração, sexualidade e alegria, para aqueles que receberam Jesus mas ainda vivem uma vida pela metade. Deus tem um propósito maior para sua vida, e gostaria de sugerir que sua vida e alegria se revelasse em sua casa, numa vida de paixão, celebração e amizade.



Palestra preparada no El Rancho

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Comunicação na família




Recentemente fui convidado a ministrar palestras sobre comunicação no lar. Honestamente estou numa fase da vida em que, quando me dão temas para ministrar nunca me preocupo, essencialmente, em falar sobre o assunto solicitado. Apenas incluo uma “agenda” na palestra, que se conecte ao tema, e sigo adiante para ministrar aquilo que estou vivenciando. Então, quando me deram o tema, eu tinha algo na mente e fiz exatamente isto. Minhas razões eram lógicas demais para tomar tal decisão, como vocês verão a seguir.
Iniciei o tema “comunicação no lar”, falando ironicamente, que aquelas pessoas estavam diante de um expert em comunicação, e que elas poderiam estar seguras de que iriam “aprender demais com minha experiência”. A seguir relatei uma experiência que tive com minha esposa.

Um dia cheguei em casa e encontrei minha esposa mau humorada. Vocês já devem ter visto isto de alguma forma e em algum nível. Perguntei o que estava acontecendo e ela desabafou: “Nossa casamento está uma porcaria!”.

Usei toda minha capacidade de argumentação para destruir sua afirmação:
ü       O que você quer dizer com isto?
ü       Nossa vida pessoal em casa é desrespeitosa?
ü       Você já sofreu alguma violência física na convivência comigo?
ü       Nossa sexualidade está ruim?
ü       Nossa vida financeira é desorganizada?
ü       Nossos filhos estão confusos e desorientados?

E antes que continuasse na minha defesa ela afirmou: “Eh, mas a nossa comunicação está uma porcaria...”
Então, disse que deveríamos dizer que a comunicação, e apenas a comunicação estava ruim e não que nosso casamento estava uma porcaria. E ela replicou de forma categórica: “É... mas comunicação é tudo!”
Estão entendendo como sou bom em comunicação?

Se existe uma área na qual eu tenho fracassado tem sido na capacidade de me comunicar: Eu nunca consigo me fazer entender, eu sempre digo as coisas pela metade, eu nunca digo as coisas, eu tenho dificuldades de falar de meus sentimentos, de expressar medos, de relatar o que está acontecendo comigo. Minha esposa adoraria que eu fizesse isto, mas simplesmente não faço...
Diante disto, vocês já devem estar entendendo meus motivos e a hesitação em falar de comunicação no lar: Eu sou simplesmente um fracasso nesta área. Certa vez, achei que meu casamento iria acabar num divórcio, porque tomei uma decisão importante na nossa vida, sem sequer perguntar minha esposa o que ela achava, e para culminar, ela foi saber de minha decisão, através da pessoa mais improvável e inoportuna para esta comunicação. Minha mãe, que por acaso é sogra de minha esposa. Preciso dizer mais alguma coisa?
Por que comunicação é algo tão difícil entre um homem e mulher?
Primeiramente acho que existe um elemento ligado ao gênero: Masculino e feminino. Qual é reclamação mais comum das mulheres em relação aos seus maridos? Eles não falam de seus problemas, eles não compartilham suas dificuldades, eles se comunicam mal. Já ouviram estas reclamações antes?
Em segundo lugar, acho que tem a ver com a cultura latino americana. Por alguma razão, existe no inconsciente masculino esta “suspeita” de que é perigoso se abrir com uma mulher. Por mais que elas insistam, parece um tanto quanto ameaçador este negócio de dizer o que pensa. Não sei se faz sentido isto que estou falando, mas apenas estou considerando hipoteticamente esta possibilidade.

Duas importantes linhas na comunicação:
Existem dois elementos perdidos na comunicação familiar que precisam ser resgatados, se queremos ser entendidos, ainda que num nível muito primária: Respeito e afirmação.

Quanto ao respeito.  Uma das formas mais destrutivas da comunicação e tão presentes em nossos lares tem a ver como tratamos desrespeitosamente maridos, esposas, filhos e pais. Fala-se em um tom agressivo, com conteúdos destrutivos, num volume desnecessário. Muitos lares, infelizmente até mesmo julgados cristãos, usam palavrões, ameaças, autoritarismo. É um falar descaridoso e intimidador. Eventualmente baixo e ferino.

Quanto à afirmação. Nossa linguagem é amaldiçoadora ao invés de abençoadora. Falamos desconstruindo auto imagem, negando identidade, rejeitando a benção. Cresci num lar onde os filhos pediam benção aos mais velhos, mas não sei se quem pedia benção entendia seu sentido, e sem quem proferia benção sabe o significado desta palavra. Abençoar vem do latim benedicte ou benedicere, que significa afirmar o outro.
A linguagem dos lares é muito depreciativa, ao invés de ser afirmativa. Precisamos afirmar o quanto o outro é importante. Filhos (garotos e homens), anseiam desesperadamente por uma palavra de afirmação de seus pais que encontram enorme dificuldade em expressar seu amor e admiração, mas são rápidos em acusar, intimidar, demonstrar que o outro só lhe causa problema e traz dificuldades. Será que nossos filhos já ouviram sinceramente de nós, que eles são uma benção. Será que vemos nossas esposas desta forma?

Aplicações:

Um dos textos que mais nos ensina sobre contradições na comunicação encontra-se em Gn 27, quando vemos as dificuldades na comunicação entre Isaque e Rebeca.

  1. A dificuldade em comunicar adequadamente traz muita dor e desconfiança  - Vemos isto na vida de Isaque e Rebeca. Ele decidiu abençoar seu filho Esaú, seu procedimento era correto, mas ele preferiu ocultar, talvez porque soubesse que Rebeca tinha outras predileções, e ele não queria altercação na sua casa. Mas seu silêncio transformou Rebeca numa opositora. (Gn 27.5).

  1. A não comunicação gera bisbilhotice – é o que vemos Rebeca fazendo. Em Gn 27.5 vemos Rebeca se escondendo detrás da tenda para ouvir os secretos do marido. Isto nos pode levar à conclusão de que esta prática era mais ou menos freqüente na sua vida. Sua origem pode remontar à atitude que Isaque teve, quando sentindo-se ameaçado, mentiu afirmando que ela era sua irmã e não sua esposa, para o rei do Egito, conforme vemos registrado em Gn 26.

  1. Comunicação truncada traz reações prejudiciais. Rebeca chama Jacó e lhe ordena enganar seu pai. O filho fica assustado e se recusa, argumentando que não era correto fazer isto. Ao invés de reconsiderar sua atitude autoritária, ela o obrigou a se silenciar e o obrigou à obediência. Jacó encontrará muita dificuldade na sua vida para discernir Deus na sua história. Mesmo a experiência carismática em Maanaim foi capaz de mudar seu caráter, que se dará apenas em Gn 32, no Vale de Jaboque, quando o Senhor o encontra e ele fica cara a cara com o Deus que transforma seu nome e sua história.

  1. Comunicação transmite maldição ou benção. Rebeca esvazia a autoridade espiritual da vida de seu filho. Quando ele afirma que estas coisas eram espirituais demais para se brincar com elas, já que poderia trazer maldição, ela esvazia o sentido das coisas eternas e diz: “Caia sobre mim esta maldição!” O que ela transmite a Jacó, é que o materialismo e o os ganhos materiais eram mais importantes que a benção de Deus. Podemos implicitamente, sem perceber, comunicar estas coisas aos nossos filhos.

Conclusão:

  1. Comunicação não é o que você diz, mas o que o outro entende – Muitas vezes falamos algo, mas o receptor entende outra. O que você comunicou? Aquilo que o outro entendeu. Considere a questão semântica. Quando usamos determinados termos, que são entendidos de forma completamente diferentes pelo outro;

  1. Em Eclesiastes 8.6 lemos: “Para todo propósito há tempo e modo”. Isto nos ensina que podemos dizer de forma certa na hora errada, ou da forma errada na hora certa. Temos que alinhar as duas coisas: tempo e modo. Quando nos encontramos no meio de uma discussão, esta não é a hora mais apropriada para grandes confusões e acusações. O outro se encontra indisposto em ouvir.

  1. Comunicação não é o que você diz, mas o que as pessoas vêem – Rebeca provavelmente deve ter ensinado princípios de verdade, integridade e honestidade ao seu filho Jacó. No entanto, ele percebe que estas coisas podem ser relativizadas, dependendo da situação em que você se encontra. Aprende-se mais pela imitação que pelo ensino verbal.