Quando pastoreava nos EUA, éramos vizinhos de uma igreja luterana, e um dia, o velho pastor daquela comunidade disse ao Rev. Terry Giger, com quem eu trabalhava, que estava naquele pastorado há 12 anos, mas nunca tivera o privilégio de batizar sequer uma pessoa em sua comunidade. Quando ouvi esta história, eu disse que enlouqueceria se tivesse um ministério tão infrutífero.
Eu sei que quem faz a obra é o Senhor, mas será que não nos incomoda o fato de termos tão poucos frutos e sermos tão ineficazes neste mandato essencial à igreja de Cristo de ir e fazer discípulos de todas as nações batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo?
A igreja de Cristo evangeliza pouco nos dias atuais, e quando o faz, faz com pouca eficiência. Isto enfraquece o mandato missionário. Mesmo aqueles que afirmam possuírem um “chamado missionário” e que são desafiados a irem para campos inalcançados e transculturais, parecem viver sem a “santa obsessão” de fazerem discípulos de todas as nações, e muitas vezes possuem ministérios infrutíferos, no que concerne à evangelização, com muitos poucos frutos no ministério.
Ao pensar nestas coisas, precisamos considerar quais são os obstáculos mais comuns à uma evangelização eficaz. Rev. Wilson de Castro Ferreira, meu professor no seminário de “Religiões Comparadas e Missões”, parodiava sua matéria dizendo que deveria ser chamada de “religiões com-paradas e o-missões”.
Gostaria de enumerar alguns aspectos que podem impedir o avanço da evangelização em nossos dias. A lista não é exaustiva, apenas aponta para algumas áreas que julgamos negligenciadas:
1. Evangelho identificado com uma cultura – Muitas regiões do mundo rejeitam o cristianismo sem nunca ter ouvido falar de seu conteúdo, porque acham que ele faz parte de uma cultura dominadora e opressiva. O cristianismo é identificado com uma cultura ocidental. O mundo islâmico ensina isto constantemente. Neste caso, o cristianismo não é a pessoa de Cristo, mas um sistema aliado a um opressor.
No Brasil, podemos dizer que quando falamos de evangelho, poucas pessoas sabem o que significa, e acredito que até mesmo os “evangélicos” pouco entendam da natureza do evangelho. Recentemente um articulista da Revista Veja escreveu um artigo agressivo e preconceituoso afirmando que os “crentes são um povo chato e incômodo”.
Na concepção popular, ser “crente” no Brasil é fazer parte de uma comunidade, permeada por pastores oportunistas e gente de classe baixa, constantemente enganada pela avidez empresarial dos pregadores midiáticos. Os evangélicos são vistos como uma sub-cultura analfabeta e ignorante, com pastores charlatões, e tendo em Edir Macedo a figura popular associada ao pastorado.
Portanto, uma das grandes barreiras atuais na evangelização é a necessidade de fazer distinção entre evangelho e evangélicos. Quando tentamos evangelizar, uma das coisas que acontecem imediatamente é que as pessoas confundem a mensagem. Para que a pessoa ouça o evangelho, ela terá que ser desprogramada em relação ao preconceito natural que ela tem dos “chatos evangélicos” ou corrigir a falsa percepção do “evangelho dos santos evangélicos” de acordo com Juan Carlos Ortiz.
As pessoas não querem ser evangélicas e, na verdade, não querem sequer conviver com evangélicos que são associados a um povo reprimido, pronto para acusar o pecado dos outros, que se julgam superiores do ponto de vista moral e espiritual.
Como comunicar eficazmente se há uma barreira entre o comunicador e o receptor? Sabemos que esta é a barreira número um na comunicação eficaz. Certamente o evangelho seria melhor aceito se as pessoas encontrassem nas igrejas aquela dimensão registrada no livro de Atos: “louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos” (At 2.47). Uma comunidade simpática atraia as pessoas a Jesus, esta era uma das razões da eficácia da evangelização.
Será que igrejas atuais possuem este componente? As pessoas se identificam e gostam de estar ao nosso lado? Como interpretar o evangelho à uma cultura específica como esta? Como ser santo e integro, sem ser moralista e inflexível?
Um dos temas modernos que tem exigido maior reflexão teológica é a “Inculturação”. Alguns autores preferem o termo “aculturação”. Em ambos os casos, a ideia é que as pessoas não nos ouvirão antes de se identificarem existencialmente conosco. Precisamos conquistar o direito de falar e ser ouvido.
Foi isto que Jesus fez: Ele se identificou com a raça humana, ele se encarnou, vestiu-se de pele humana, andou entre as pessoas, curando, abençoando, e falando das boas novas do Evangelho. Este envolvimento empático atraiu os pecadores. As pessoas, por mais quebradas, rejeitadas, pecadoras e estranhas que fossem, não se sentiam repelidas por Jesus.
O apóstolo Paulo, que foi grande evangelista, descreve apaixonadamente seu esforço para se aproximar das pessoas na condição em que elas estavam, ele se esforçava para se identificar com elas. “Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1 Co 9.20-22).
Havia na estratégia evangelística de Paulo, uma clara intencionalidade de se identificar com a cultura à qual anunciava o evangelho. Não deveríamos também de nos esforçar para semelhante nos identificar com as pessoas pelas quais oramos e ansiamos que Jesus se torne conhecido?
Esta é uma das enormes barreiras que temos a enfrentar quando falamos de evangelização eficaz.
2. Falta de efetividade nos resultados – Talvez você esteja dizendo que isto deveria ser colocado como consequência e não como causa, e certamente você tem razão na sua argumentação, mas deixe-me tentar, pelo menos tentar, organizar meu pensamento sobre isto.
Acredito que uma das razões do evangelho ser tão ineficaz, ou, que sua proclamação seja tão estéril esteja no fato de muitos cristãos não semeiam com esperança a mensagem do evangelho.
Sei teologicamente da argumentação de muitos pregadores que “números não são o alvo da evangelização”, entendo perfeitamente a preocupação de homens de Deus em que não nos tornemos uma igreja obcecada por crescimento e estatística. Por outro lado, vejo homens que não se preocupam com crescimento, e fazem as coisas sem serem objetivos e diretos nos sermões e nas abordagens que fazem.
Eventualmente, até mesmo os plantadores de igreja que teoricamente deveriam ser mais enfáticos sobre esta questão, se contentam em, ano após ano, não verem frutos em seus ministérios. Muitos sem sequer um batismo o ano inteiro. Igrejas debilitadas, programas sem eficácia. Será que deveríamos aceitar esta realidade como uma condição normal? Considere as estatísticas dos plantadores de igreja. Os números são assustadoramente inexpressivos. Seria esta uma condição normal?
John E. Haggai escreveu interessante e provocativo livro. “Ouse pedir uma decisão”. O fundador do Instituto Haggai está com quase 100 anos, e sentiu sempre atraído à missão e evangelização. Ele insiste que uma das grandes razões da ineficácia dos ministérios consiste no fato de que muitos anunciam o evangelho corretamente, mas na hora de convidarem o pecador a se render a Cristo, eles não o fazem. Haggai chega a propor que precisamos dar a chance ao pecador de tomar uma posição contra, ou a favor de Cristo. Por não apelarmos ao coração do pecador, ele não percebe que precisa de tomar uma decisão sobre a vida eterna.
Spurgeon narra no seu livro, um diálogo que teve com um de seus estudantes de teologia que lhe perguntou a razão de não ser tão eficiente na pregação. Ele então pergunta: “você realmente está convencido de que o Espírito Santo está agindo e que aquela pessoa pode ser transformada com a mensagem que você prega?” e ele respondeu titubeante, que às vezes sim, às vezes não. E Spurgeon então replicou: “Então, não é de se surpreender que você tenha tão poucos frutos no seu ministério”.
Paulo tratou deste assunto de forma direta: “...pois o que lavra, cumpre fazê-lo com esperança; o que pisa o trigo, faça-o na esperança de receber a parte que lhe é devida” (1 Co 9.10b). Tenho percebido que as igrejas fazem muitos eventos, sem considerar o alvo de todo programa eclesiástico: trazer pecadores aos pés de Cristo. São programas eventualmente caros, bem elaborados, mas ninguém o faz com expectativa de que algum fruto genuíno de salvação. O programa se torna um fim em si mesmo, feito mais por diletantismo e para que as pessoas apreciem com um olhar cultural, poético, e até mesmo para demonstrar com orgulho que somos capazes de fazer um grande programa.
Mas qual é o final da ação da igreja?
Quando um número significativo de pessoas decide se tornar membro de nossa igreja, fazemos um jantar para falarmos de quem somos teologicamente e quais os programas da igreja local. Um dos meus presbíteros afirma: “Esta é a reunião mais importante da igreja”, e ele fala isto com convicção e eu concordo plenamente. Por que? Porque alcançar vidas é única razão que justifica todo o dispêndio financeiro, todas as visitas, programas e ações da igreja. A verdadeira igreja de Cristo possui um forte envolvimento missionário e frutos são uma evidência clara disto.
A dubiedade com que pregamos o evangelho pode ser a causa da pouca eficácia. Semeamos sem esperança, pisamos o trigo sem expectativa de receber a parte que nos é devida. Mas a Bíblia afirma que quem sai andando e chorando enquanto semeia, deve voltar com júbilo, com os braços cheios, trazendo os seus feixes.
A falta de expectativa na efetividade do trabalho, leva-nos a ter uma igreja sem expectativa e um ministério sem ousadia. Seria esta a condição normal da igreja de Cristo?
3. Falta de empoderamento no testemunho cristão – Outro problema é o fraco testemunho da igreja local. As pessoas não se sentem atraídas ao evangelho porque o testemunho é frágil.
O efeito de um pastor sem autoridade moral pode ser devastador para uma igreja. Muitas igrejas levam anos para superar as marcas deletérias de uma vida sem autoridade.
Isto se dá não apenas quanto ao pastor. Muitas igrejas são marcadas por escândalos, maus patrões, maus funcionários, jovens sem santidade, lares fragilizados por brigas e discórdias, pessoas irresponsáveis nas finanças, membros conhecidos por serem mau pagadores. Tudo isto distancia pessoas da igreja.
Já tive caso de pessoas que se recusaram a vir à igreja que pastoreio por causa do testemunho de determinados cristãos. Tenho aprendido que uma das características desta geração é que ela não suporta incoerência, apesar de ser marcadamente incoerente.
Observe as pessoas que se aproximam da igreja. Por que o fazem? Em geral, porque foram convidadas por alguém que elas admiram e respeitam. Bons evangelistas são pessoas equilibradas, não preconceituosas, que amam os pecadores e querem atrai-los a Cristo. Quando uma pessoa distanciada de Deus vê tais marcas no povo de Deus, elas se interessam por Jesus. O contrário também ocorre. Testemunho fraco gera grandes barreiras à evangelização.
4. Dificuldade no acolhimento aos novos convertidos – Muitas igrejas não evangelização eficazmente por não saberem acolher aqueles que foram alcançados pela graça de Cristo.
George Barna escreveu o livro “Igrejas amáveis e acolhedoras” falando sobre o assunto. Ele afirma que existem oito coisas que tais igrejas NÃO fazem:
1. Não limitam Deus
2. Não desprezam visitantes
3. Não se isolam da comunidade
4. Não alienam diferentes
5. Possuem evangelismo vibrante
6. Não evitam confrontação
7. Contratam em função de necessidades.
8. Não tomam rotas mais fáceis
Preste atenção no item 2 : “Não desprezam visitantes” e no item 4: “Não alienam diferentes”.
Igrejas eficazes na evangelização aprendem a acolher os que chegam. Isto não significa apresentá-las publicamente. Na cultura americana, o medo número 1 das pessoas é ser exposto publicamente. Não sei se isto se aplica à cultura brasileira, mas geralmente achamos interessante pedir a pessoa para ficar em pé e falar seu nome. Muitas vezes fazemos isto de forma constrangedora, com visitantes que desejariam ser ignorados e apenas ouvir a palavra e participar do culto. Será que precisamos realmente convidá-los a ficar de pé? Não tenho respostas para isto, mas já aprendi que quem gosta mesmo de ser apresentado nas igrejas são velhos pastores e presbíteros. Ah, quase me esqueci, os seminaristas também.
O item 4 fala basicamente da mesma coisa. “Não alienar diferentes”. Se quisermos ser eficazes na evangelização, temos de aprender lidar com pessoas que fizeram opções diferentes daquelas que fazemos, seja quanto ao uso e costume, ou até mesmo quanto à moral, entendendo que o Evangelho é quem deve mudar as pessoas, e não os evangélicos. Comunidades legalistas e preconceituosas, repelem pessoas quebradas e os diferentes.
5. Mentalidade de gueto da igreja – Algumas igrejas se satisfazem num estilo introspectivo e chegam até mesmo a afirmar que não querem crescer, que igreja boa é melhor, possuem pouca mentalidade missionária e não se sentem desafiadas a alcançar outras pessoas.
De forma histórica podemos dizer que são judaizantes quanto à missiologia. Elas não possuem estratégia para os que são de fora, e nem lhes interessa os “gentios”. Tais igrejas não apenas não evangelizam, mas historicamente tem grande probabilidade de deixar de existir, porque com o passar do tempo tendem a declinar no seu número de membros, até seu patético fechamento.
São igrejas auto centradas e que desenvolvem um bom ambiente comunitário, na qual o pastor assume uma figura paterna, eventualmente com longos ministérios e poucos desafios, mas confortavelmente adequados. Igrejas assim se tornam ensimesmadas e satisfeitas com seus programas intramuros.
“É extremamente fácil para uma igreja ter uma grande quantidade de programas, dando a ilusão de um atarefado ministério, quando, na realidade, o que está acontecendo é apenas o desenvolvimento de nichos onde as pessoas podem sentir-se confortáveis, em lugar de serem desafiadas”. (Barna, George - Igrejas amáveis e acolhedoras, pg 48)
Igrejas com tais perfis são muito comuns, perdendo o ardor missionário sem se sentirem desafiadas à evangelização. Esta pode ser uma grande armadilha para boas, estáveis e históricas igrejas que contam com uma boa estrutura e todos os seus departamentos funcionando adequadamente. São igrejas com um pastorado longos, politicamente corretos, pregando uma boa mensagem sobre um manso e suave Jesus, com medo de ofenderem as pessoas com o evangelho se esquecendo que “a missão da igreja é fazer missão”. Nisto consiste nosso chamado, e é para isto que a igreja é convocada por Cristo. “Ide por todo mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16.15)
6. Evangelho identificado a legalismo- A sexta e última razão desta lista que não pretende ser extensiva (se o leitor quiser me ajudar, basta fazer um comentário, porque este artigo ainda está sendo elaborado...), é o fato de que podemos confundir evangelização com outros fatores.
Por exemplo: podemos achar que uma pessoa foi evangelizada porque ela decidiu se tornar membro de uma igreja local. O fato de uma pessoa se tornar membro de uma igreja não significa, necessariamente, que ela entendeu o plano da salvação e a obra de Cristo na cruz. É possível se tornar membro de uma comunidade por causa da identificação social com as pessoas, por emocionalismo ou por tradição de família, mas isto não significa que a pessoa entendeu a obra de Cristo.
Outro risco tremendo, e que se torna um obstáculo à evangelização em nossos dias é que muitos associam a evangelização ao abandono de determinados pecados socialmente condenados. Achamos que uma pessoa é “crente” porque deixou de fumar, ou porque não dança mais, ou porque não toma uma gota de álcool. Seria isto realmente evangelização?
Certamente, o abandono de pecados e práticas morais contrárias à palavra é um bom indicio de uma mudança interior. Na verdade, não saberemos se uma pessoa é convertida se ela não produzir frutos de arrependimento, mas seria o abandono de tais práticas a evidência genuína de conversão?
As igrejas evangélicas no Brasil são marcadas por um código de moral restrito, muitas normas ascéticas, muitas proibições como “não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro” (Col 2.21), mas Paulo afirma que “tais coisas, com efeito, tem aparência de sabedoria, como culto de si mesmo de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não tem valor algum contra a sensualidade” (Col 2.23). Podemos equivocadamente acreditar que determinada pessoa foi evangelizada, quando na verdade ela foi catequizada. Controlamos comportamentos exteriores, mas a obra de Cristo não foi aplicada ao seu coração. Na verdadeira definição do termo, ela não foi evangelizada.
Conclusão
Como admitimos no estudo, esta abordagem é incompleto e preliminar. Muitos outros fatores podem ser adicionados aos obstáculos contemporâneos da evangelização.
Como igreja de Cristo precisamos estar atentos a esta questão.
Precisamos anunciar a Cristo e buscar formas eficientes e efetivas para a proclamação. Quando Paulo falou de seus métodos ele disse que corria “não sem meta e lutava não como desferindo golpes no ar”(1 Co 9.26). Ele usava todos os modos “com o fim de salvar alguns” (1 Co 9.22). Ele usa estratégias, emprega determinados métodos, se aproxima apaixonadamente para tornar efetiva a pregação do evangelho.
Para superar os obstáculos do tempo presente, precisamos ter o olhar de Cristo, “aproveitando sempre as oportunidades com os que são de fora”.
Que Deus nos abençoe!
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