Introdução:
Como professor de Plantação e Revitalização de igrejas, um dos aspectos mais inquietantes para mim tem sido entender a lógica de boa parte dos missionários. A maioria não vai para o campo desejoso de plantar igrejas, eles querem pregar o evangelho e dar testemunho de Cristo, o que já é muito importante, mas não há preocupação com o futuro do trabalho, já que, se não houver plantação de igrejas, isto significa que todo seu esforço missionário acabou nele mesmo.
Será que minha preocupação é legitima ou apenas reflete minha ênfase ministerial em plantação de igrejas? Será que todo projeto missionário teria que levar em conta o estabelecimento da igreja ou apenas o testemunho já seria suficiente? Minhas inquietações encontram base bíblica ou são deficientes?
Alguns anos atrás estava plantando igrejas nos Estados Unidos, e num congresso ouvimos o testemunho de uma missionária que estava no Taiwan. Ela trouxe consigo dois discípulos, um homem e uma mulher, sendo que o homem já estava se preparando para ser encaminhado ao ministério. Ela estava naquele país há 10 anos, e já tinha cinco convertidos, mas lembro que quando ouvi seu relatório fiquei me imaginando trabalhando num campo por 10 anos e tendo apenas 5 discípulos, mas depois refletindo melhor, compreendi que ela estava no caminho certo: Fazer discípulos locais, deixar liderança indígena estabelecida, e implantar a igreja. Este projeto, tem todos os componentes que julgo essencial para que seja definitivamente implantado naquela região.
Um olhar nas Escrituras
Quando estudamos a visão missionaria dos apóstolos no livro de Atos, não temos duvida alguma que o grande projeto deles era a implantação de uma igreja local com lideres daquela cidade sendo treinados e ordenados. Eram os presbíteros. Em todos os lugares onde os apóstolos foram, em qualquer uma de sus viagens missionárias, eles estavam atentos a esta estrutura básica:
§ Evangelizar
§ Formar discípulos
§ Estabelecer a Igreja
§ Treinar lideres locais
Depois, naturalmente, retornavam para as cidades para ver como as coisas estavam, supervisionar a obra, corrigir distorções teológicas e encorajar o coração dos irmãos.
Quando Paulo coloca Tito em Creta, sua ordem é clara: “Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em ordem as coisas restantes e constituísses presbíteros” (Tt 1.4). O estabelecimento de uma igreja numa cultura diferente pode sofrer vários percalços, principalmente porque há aspectos culturais que não são facilmente perceptíveis na superfície e nos primeiros contatos, mas depois, como vimos anteriormente, podem brotar trazendo aspectos que geram sincretismo e confusão na interpretação e aplicação do evangelho.
A Igreja Primitiva tinha em mente o estabelecimento de novas igrejas no projeto missionário. A obra missionária consistia basicamente nisto.
Quando Jesus dá a Grande Comissão em Mt 28.18-20: Toda autoridade me foi dada nos céus e na terra, portanto, ide (indo), fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas. E eis que estarei convosco até a consumação dos séculos”. Qual é a estrutura da obra missionária? Como Jesus a fundamenta?
A AUTORIDADE DE CRISTO
(Fundamento)
INDO
(processo)
FAZEI DISCIPULOS
(Método)
BATISMO
(selo)
ENSINANDO
(Educação continuada)
ESTAREI CONVOSCO
(promessa de sua presença).
Podemos fazer discípulos sem uma inserção comunitária? Parece-nos que não, porque o batismo implicava num compromisso comunitário, de ser de Cristo e fazer parte de um povo. Era necessário uma identidade comunitária. Da mesma forma, não é possível pensar numa comunidade ensinando continuamente, se não existe uma igreja, embora não institucional, mas orgânica, não há como cuidar, nutrir, apoiar. A igreja é fundamental neste processo.
Então, podemos afirmar que, no núcleo central da Grande Comissão, está implícita a ideia de uma igreja sendo estabelecida. Por isto, esta é a estratégia da Igreja Apostólica: Plantar Igrejas em todas as cidades.
Dificuldade na formação da igreja: Da transição do anúncio kerigmático para a experiência comunitária.
Sabemos que entre este processo inicial de ser testemunha, para o projeto posterior da implantação da igreja há um salto gigantesco. Anunciar e proclamar Jesus como Salvador e Senhor já é uma grande tarefa, mas daí para as pessoas entenderem a necessidade de serem um corpo visível, tangível, local e histórico, há um grande desafio. Várias razões corroboram para isto:
A. Uma latente suspeita missionária – Infelizmente, há na mente do missionário, uma questão: Será que podemos confiar na liderança local? Eles realmente entenderam o suficiente da mensagem para assumir o projeto?
Isto se torna ainda mais complexo quando o missionário vem de uma cultura que se julga superior àquela que ouve a mensagem. Estas suspeitas são claramente perceptíveis na história das missões. Os missionários levam dinheiro, tecnologia, recursos, e com todo este aparato, podem subliminarmente pensar que estão lidando com uma cultura inferior.
Então, os missionários se tornam inseguros em deixar o campo ser conduzido pelos membros que são novos na fé e encontram dificuldade em permitir que o campo tenha uma nova liderança, e confiar na graça de Deus que ama sua igreja e vai edificá-la.
B. Falta de intencionalidade dos missionários em buscar a organização das igrejas locais com lideranças locais.
Eventualmente missionários falham, porque não entendem que este é o projeto. Eles não estão plantando igrejas para si mesmos, nem para suas denominações de origem. Perder o controle é desafiador. É como deixar o filho sair de casa para estudar, trabalhar ou casar: ficamos sempre nos indagando se eles realmente terão condições de levar a vida sem nossa controle. Não entendemos que eles realmente cresceram.
C. A dependência que os campos criam dos missionários.
Quando chega a hora do missionário partir, e deixar os trabalhos por conta dos lideres locais, surge muita insegurança. Será que vão conseguir manter a igreja teológica e administrativamente firme? Terão os recursos necessários para sua manutenção? Eventualmente igrejas fruto do trabalho missionário transcultural podem se tornar viciosamente dependentes dos recursos da missão.
Isto aconteceu nos campos da Missão Presbiteriana Oeste (USA) na região do Centro Oeste do Brasil. As igrejas, que recebiam todo dinheiro para construção e manutenção dos obreiros na região, com a saída dos missionários, não aprenderam a contribuir fielmente, e muitas tiveram muitas lutas para sua manutenção. Eventualmente até venderam propriedades deixadas pela missão para honrar seus desafios financeiros.
Houve erro dos missionários? Eventualmente sim. Mas o problema é que, quando o dinheiro chega fácil, ninguém se preocupa com sua manutenção. Por esta razão é sempre difícil transformar um projeto social em um projeto de plantação de igrejas, porque as pessoas que estão ligadas ao projeto social, na maioria possui uma dependência dos recursos externos. Estão ali para receber, e não para doar. Existem uma mentalidade de dependência.
Quando os missionários presbiterianos chegaram eles tinham quatro pilares para o estabelecimento de um trabalho:
a. Um templo
b. Um casa pastoral
c. Um evangelista em cada campo
d. Uma escola anexa ao templo.
Certamente fomos muito abençoados pela visão, sensibilidade e generosidade destes irmãos, a crítica não tem a ver com o que fizeram, mas apenas para demonstrar quão complexo é esta dependência.
Considerações:
Tentando alinhar alguns princípios relacionados à plantação de igrejas na missão transcultural é importante ter em mente esta linha de ação.
Primeiro, todo projeto missionário deveria ter como alvo a plantação de igrejas.
Isto implica em três alvos:
§ Estabelecimento de uma comunidade autóctone, local
§ Formação de liderança local
§ Afastamento gradual e intencional do missionário no campo.
Segundo, só podemos afirmar que um projeto transcultural foi estabelecido, quando uma igreja for estabelecida, com liderança local.
Se isto não acontecer, quando o missionário sair do campo, a obra acaba. O projeto inicia e termina nele.
Problemas:
ü Muitos missionários não tem foco em plantação de igrejas e nem em treinamento de lideres locais para este objetivo.
ü Muitos missionários não gostam de igrejas locais. Eventualmente são até críticos das igrejas que os sustentam.
ü Muitos missionários vão para o campo, sem terem dons pastorais. Alguns até afirmam orgulhosamente: “sou missionário mas não sou pastor”. Costumo afirmar que “você pode não ser missionário e ser pastor (não deveria, mas infelizmente acontece), mas é impossível ser missionário sem coração profundamente pastoral”.
ü Muitos missionários, embora estejam ligados financeiramente com suas igrejas, não estão ligados emocionalmente e com elas. Conheço missionários que, com o passar do tempo, foram excluídos do rol de membros. Eram missionários sem serem membros de uma igreja local. Não me causaria espanto se soubesse que muitos encontram-se nesta situação.
Algum tempo atrás um missionário muito querido me pediu que escrevesse uma carta de apresentação dele como membro da igreja. Eu disse que não poderia fazer isto porque ele não era membro de nossa igreja. E ele afirmou que, ao sair para o campo, possuía uma relação muito positiva com a liderança local e com seu pastor, mas que a igreja havia passado por graves e sérios conflitos, e que ele não possuía qualquer relação atualmente, nem afetiva, nem financeira, nem institucional com sua igreja. Portanto, era um missionário que não era membro de uma igreja
Terceiro, não há missão no Novo Testamento, sem uma compreensão clara de plantação de igrejas
Para que isto aconteça, há três elementos indispensáveis:
a. Na formação dos missionários precisamos de uma boa teologia bíblica para entender que o cerne da missão é plantação de igrejas. A visão teológica determina a prática missionária.
b. Foco – O missionário, ao sair para o campo, deve compreender seu objetivo e alvo: Estabelecer uma igreja no campo para o qual ele se dirige.
c. Intencionalidade – Nada é mais importante, na sua visão e da igreja que envia, e para o missionário que se dispõe a ir, que a compreensão de que o alvo será a plantação de igrejas
Alguns anos atrás, recebemos um relatório de um missionário, por quem tenho grande apreço, que estava se dirigindo para um campo e nem sequer mencionava a ideia de plantar igrejas. Li preocupado o seu projeto, nós somos parceiros dele na obra missionária, e expressei minha percepção à sua agência missionária. O Secretário Executivo me disse que ele já havia notado isto e que iria ajudá-lo a refazer seu projeto. O resultado não poderia ser melhor. Ele não apenas implantou a igreja naquele país, como já está surgindo uma segunda igreja pelo seu projeto missionário.
Quarto, Jesus está comprometido com sua igreja.
“Nada mais é mais importante na missão e evangelização que plantação de igrejas: Nem cruzadas, programas evangelísticos, ministérios para eclesiásticos ou mega-igrejas terão o mesmo impacto”(Tim Keller)
Jesus profeticamente se comprometeu com sua igreja ao afirmar: “Eu edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. (Mt 16.18). Desta sua afirmação três conceitos são fundamentais:
A. A Igreja é de Cristo – “Eu edificarei a minha igreja”. Muitas pessoas esquecem disto ou agem como se a igreja fosse deles. João Batista entendeu muito bem este princípio ao afirmar: “Quem tem a noiva é o noivo” (Jo 3.29). Precisamos resgatar a compreensão de que a igreja é de Cristo e ele está empenhado na sua edificação.
B. Quem edifica a igreja é Cristo – “Eu edificarei a minha igreja”. Muitas vezes pensamos que somos nós quem fazemos, mas a obra d\é de Cristo. “Eu plantei, Apolo regou, mas o crescimento veio de Deus” (1 Co 3.6). Igreja não é projeto humano.
C. Apenas a igreja tem o poder de enfrentar as trevas – “As portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Satanás não pode vencer a igreja porque quem a protege é Jesus.
D. O projeto da igreja tem uma dimensão transcendental – “Para que, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja agora conhecida dos principados e potestades, nas regiões celestiais” (Ef 3.10). A igreja está no centro do propósito redentivo de Deus para a humanidade. Seu impacto não é apenas local, mas cósmico.
E. Mais que “um projeto missionário local”, precisamos ter projetos de plantação de igrejas transculturais ao redor do mundo. A essência da missão transcultural é o estabelecimento de novas igrejas que proclamem com fidelidade a salvação que está em Cristo Jesus.
Conclusão
A Igreja de Cristo é chamada para ser cooperadora na obra evangelística e missionária no mundo. É muito comum as pessoas afirmarem que “a missão da igreja é fazer missão”, e esta frase pode até ser considerada verdadeira, a não ser por duas razoes:
A obra missionária não é o objetivo final da igreja. Quando se usa o lema acima, parece que a obra missionaria é um fim em si mesma, mas isto não é toda verdade.
Então, qual é a missão da igreja? A missão da igreja é glorificar a Deus. Esta é sua razão de existir. Ao fazer missão ela dá glória a Deus. Negar sua missão é deixar de proclamar a glória de Deus. O Salmo 67 diz: “Seja Deus gracioso para conosco e nos abençoe. Para que se conheça na terra o nome do Senhor”. O objetivo é fazer missão, para glorificar a Deus. Missão não é o fim, mas o meio.
Quando plantamos igreja, embora entendamos que igrejas locais não abarcam toda a dimensão da glória de Deus, ainda assim, igrejas bíblicas evidenciam a glória de Deus na terra. Por isto plantamos igrejas, e trabalhamos para que, em cada rincão mais distante do nosso planeta, igrejas sejam estabelecidas, e o nome de Deus seja glorificado.
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