sexta-feira, 6 de abril de 2018

Sintomas da paixão


Introdução

Paixão é um dos sentimentos mais comuns e perigosos da raça humana. Ela pode se dirigir a objetos, lugares, hobbies e a pessoas, e dependendo do grau que ela atinge pode se tornar destrutiva e fatal.

Paixão não é considerada uma virtude cristã, embora seja enaltecida por poetas, artistas e sonhadores. Na verdade a palavra paixão vem de pathos, que significa patologia ou enfermidade. Paixão é uma febre, uma doença, com graves efeitos.

Um dos exemplos mais devastadores que encontramos na Bíblia é a história de Amnon, o filho primogênito de Davi, que provavelmente seria o futuro rei de Israel não fosse a tresloucada experiência que ele teve e que devastou seu currículo acabando de vez com qualquer pretensão política que pudesse ter.

Ele apaixonou-se por sua meia-irmã, Tamar. Ambos eram filhos de Davi, mas de mulheres diferentes. Consumido por um fogo incestuoso e lascivo, teve um encontro com seu primo Jonadabe, que o aconselhou a trazer Tamar para sua casa. Os desdobramentos são conhecidos. Amonm estuprou sua irmã, depois de uma tentativa frustrada em levá-la consensualmente para a cama e logo após este insano ato, ele sentiu profunda aversão por ela. A paixão se transforma em rejeição, porque logo depois o texto afirma que “ele teve mais aversão por ela que o amor que lhe devotara”, e ela saiu de casa, gritando no meio da rua, vestida de pano de saco e cinza e foi para a casa de seu irmão Absalão, que decide matar o irmão pelo que ele fizera, e dois anos depois, contrata homens que o matam numa emboscada preparada na sua casa durante um churrasco da família . Esta narrativa pode ser encontrada em 2 Samuel 2 13.

No relato histórico deste fato, encontramos alguns sintomas da paixão:

Primeiro, Enamoramento
A Bíblia registra que Amnon se “enamorou” de Tamar (2 Sm 13.1).

O enamoramento é fundamental como poder de atração e encontro. Seres do mundo animal passam por esta fase, e trata-se do amor na sua fase mais ingênua e imatura, quando o outro é puro fascínio. Neste momento, duas coisas se tornam visíveis: encantamento e deslumbramento. É a fase em que o outro é idealizado e não possui senão virtudes. O outro é belo, fascinante, atraente, ocupando cada espaço da mente.

Esta é a fase da idealização, quando a pessoa olha para o outro como um ser perfeito. Não é sem razão que os casamentos sempre tentam dar uma ideia de que um príncipe vai se casar com uma princesa, e lamentavelmente eles realmente creem nisto. Tim Keller afirma que trata-se do idealismo fantasioso.

Muitos relacionamentos são construídos com base neste primeiro momento, mas é impossível sustentar-se nesta base porque ela é uma tentativa de endeusamento e deificação do outro e na medida que nos aproximamos dos falsos deuses, descobrimos que eles tem pés de barro e se quebram facilmente. Nossos heróis morrem de overdose.

Segundo, adoecimento

Quando a paixão se torna aguda e se desorganiza, o corpo entra em colapso.

Certamente é bizarro o que vou narrar, mas quando me encontrei com a Sara Maria, minha esposa, pela primeira vez, ela tinha 13 aos e eu 17. Eu usava um relógio brega, de fundo vermelho. Bem, na época não era exatamente brega, as calças eram boca de sino e as camisas listradas, sapato de plataforma e cabelos compridos e tudo isto parecia bem “cool”. Pois bem, ao lado dela, meu relógio ficou desatinado e começou a agitar seus ponteiros, desordenada e agitadamente, para frente e para trás, e era até engraçado ver. Depois disto, naturalmente, ele nunca mais funcionou. A única explicação que pode ser dada a isto foi uma grande descarga de adrenalina em circulação no meu corpo que desatinou completamente meu equilíbrio. Se alguém tiver outra razão mais plausível e técnica, por favor, me ajude a entender...

Certa pessoa se apaixonou pela primeira vez aos treze anos de idade por uma garota de outra cidade. Por três dias, não queria conversar com ninguém, e ficava ouvindo músicas de “dor de cotovelo”, pensando na garota. Não havia nenhum outro espaço para pensar qualquer coisa além dela. Muitas pessoas literalmente adoecem, prostram-se de cama, e alguns precisam até mesmo de ajuda médica e de terapeutas. Alguns bons alunos podem ter uma queda significativa na sua nota e os pais ficam desesperados, tentando entender o que pode estar causando isto. Como se trata de algo muito profundo, nem sempre as pessoas são capazes de relatar. É disto que falamos quando afirmamos que paixão é pathos, febre aguda.

Amnom teve angústia (2 Rs 13.2), sintoma definido em medicina como uma dor vaga, não localizada e profunda e teve uma reação que o fez emagrecer. Pessoas angustiadas facilmente relatam suas dores passando a mão no peito, sentindo aperto e dizendo que a dor está por ali, em algum lugar não especificado.


Os sintomas de sua doença tornam-se tão visíveis que Jonadabe vê claramente que algo não está certo. Sua pergunta vai direto ao ponto: “Por que tanto emagreces de dia para dia, ó filho do rei? Não mo dirás?” (2 Sm 13.4). Sua enfermidade estava debilitando seu organismo. Sua paixão o consumia. Ele adoece.

Terceiro, enlouquecimento


Quando isto acontece, é o grau mais agudo e perigoso. Foi exatamente assim que se deu com Amnom. Ele armou uma cilada para sua meia irmã, planejou tudo premeditadamente e a estuprou dentro de sua casa. Ele perdeu a razão e a lógica, suas emoções o desestruturaram e o desorganizaram psicologicamente.

A Bíblia afirma que “a loucura é mulher apaixonada, ela é insensata e não sabe coisa alguma” (Pv 9.13). Embora o texto fale especificamente da mulher, é óbvio que não se trata apenas de uma questão feminina. Homens e mulheres perdem sua vida, reputação, sacrificam a consciência, a família, comprometem sua espiritualidade por causa de uma paixão. A história está cheia de relatos trágicos provenientes da paixão que tem um efeito tão devastador sobre os seres humanos.


Existe um ditado que diz: “Quando a paixão entra pela porta, a razão sai pela janela”. O Talmude ensina que "A paixão é, primeiro, uma estranha; depois, torna-se hóspede; e, finalmente, é a dona da casa". Milton colocou uma máxima que revela a seriedade deste poder: “O que reina dentro de si mesmo e controla suas paixões, desejos e temores, é maior do que um rei”. O questionamento formulado por Santo Agostinho é curioso: “Por que a mente pode controlar o corpo, mas não pode controlar a mente?”


Já viram um homem de meia idade, respeitado na sociedade, vida organizada e estruturada, família bonita, quando se apaixona por outra mulher? Ele simplesmente perde o senso do ridículo, embora tudo esteja tão visível aos que veem esta situação de fora. Todo mundo está observando o fiasco e a loucura que ele está cometendo, mas ele não se importa. O resultado será muito sofrimento para a família, para os filhos, e se é crente para a comunidade.

Coisas a evitar quando a paixão bate às portas

1. Evite maus conselhos – Veja o que acontece no texto. A febre que toma conta de Amnom estava tão clara que seu primo percebe. Se naquela hora ele tivesse encontrado um amigo para orientá-lo, ele poderia ter uma história completamente diferente. O problema é que seu amigo “era um homem mui sagaz” (2 Sm 13.3). Curiosamente esta sagacidade é comparada à da serpente que dialoga com Eva no Éden procurando seduzi-la (Gn 3.1).

Um conselho de gente que você respeita e ama nesta hora, pode ajudá-lo a redirecionar sua perspectiva e a forma de ver os fatos. Muitas vezes precisamos de pessoas que nos deem outras lentes para que possamos ver as coisas de forma diferente. Infelizmente Amnon encontrou um homem inescrupuloso como conselheiro.

Jonadabe poderia ter-lhe dito que aquilo tudo não fazia sentido. Que existiam milhares de mulheres bonitas e atraentes no reino que dariam tudo para ter um romance com o filho do rei, provável sucessor do trono. Poderia ter demonstrado que aquilo iria arruinar sua vida para sempre, que ele perderia o respeito das pessoas, e seria exposto ao ridículo, mas ele lhe disse exatamente o contrário. Ele fez sugestões malignas: “Deita-te na tua cama e finge-te doente”. Amnom segue a cartilha do amigo porque era exatamente isto que ele queria ouvir. Já viram como nos aconselhamentos as pessoas não querem ouvir o que é melhor, mas o que lhes agrada? O resultado sabemos de cor.

2. Evite a geografia que lhe deixe vulnerável – Amnom fez o contrário. Ele se expôs àquilo que era seu maior risco. Ele flertou com sua fraqueza e fez provisão para sua carne. Ele trouxe sua irmã por quem estava perdidamente apaixonado para sua casa. Ele a atraiu para dentro da sua recamara, que era seu quarto de dormir. Ele criou uma ambientação propício para seus desejos adoecidos, e quando isto acontece, a paixão, que parece ser a aliada, transforma-se num terrível e implacável tirano.

Quando a Bíblia fala de lutas e tentações, ela nos orienta a agir de forma diferente para adversários diferentes. Em se tratando de Satanás, a ordem é: “Resisti ao diabo e ele fugirá de vós” (1 Pe 5.7). A recomendação bíblica é que haja resistência, enfrentamento, combate frente à frente. Não tente fugir, domesticar ou se esquivar do diabo. Enfrente-o com o poder de Jesus. Quando a Bíblia fala da luta contra a carne, dos impulsos internos, a recomendação é outra. “Fugi das paixões da mocidade” (2 Tm 2.22). Não podemos enfrentar as tentações que povoam nossas mentes, os fantasmas que controlam a alma. Precisamos fugir, sair da zona de risco, manter distância da lascívia e cobiça.

Quando Amnon se mostrou doente por causa de sua paixão, seu primo recomendou que ele atraísse Tamar para sua casa. E foi este estranho e esdrúxulo pedido que ele fez ao seu pai, Davi, que não percebeu os riscos inerentes ou os ignorou. Ele criou espaço para sua paixão desenvolver, ele a alimentou, nutriu, fortaleceu sua tara e uma vez em sua casa, ficou sozinho, o ambiente se tornou perigoso, e a aproximação excessiva desembocou no estupro.

Fujam das paixões! Isto implica em se distanciar o máximo daquilo que representa ameaça. “Não façais provisões para a carne, no tocante às suas concupiscências” (Rm 13.14). Outra tradução afirma: “Não alimenteis as vossas paixões”.

3. Não dê vazão aos seus impulsos – Amnom alimentou, nutriu e permitiu que suas sombras mais pesadas, dominassem seu coração. Ele agiu na impulsividade.

Tenho visto muitas pessoas se perdendo por causa disto. Somos uma geração que diz: “libere seus instintos”, e “faça o que você deseja”, “você é livre!’. Este pensamento moderno, marcado pela licenciosidade ética encontra-se em todos os textos seculares. Uma conhecida música afirma: “eu sou o que me pede o coração”.

Libere seu coração, instintos primais, e os alimente e você pode se tornar monstruoso. Quando Deus vê o que estava no coração de Caim, ele vem em sua direção para conversar sobre suas más intenções. “Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se procederes mal, eis que teu desejo será contra ti, e a ti cumpre dominá-lo” (Gn 4.5). O que fez Caim em seguida? Reconsiderou, reavaliou, mudou sua forma de ser? Pelo contrário. O texto diz que ele, saindo dali, matou o seu irmão.

Ele deu vazão aos seus instintos.

Foi assim que procedeu Amnom. Ele queria, e resolveu liberar seus impulsos.

Paixões mal orientadas
Na medida em que observamos mais atentamente o texto, observamos as consequências de uma paixão mal orientada:

Primeiro, prazer se torna pavor


O que aconteceu com Amnom? Onde foi parar sua tresloucada paixão?

Ele se apaixonou a ponto de adoecer e estuprá-la, mas logo em seguida, teve maior aversão por ela que o amor que a ela devotara.

Paixão mal orientada gera uma confusão e inversão dos sentimentos.

As coisas mais apaixonantes e loucas, que você deseja, podem ser exatamente aquilo que vai provocar mais dor e descompasso em sua vida.

Segundo, feridas incuráveis


Logo após o relato do estupro, a Bíblia diz que Tamar vai para a casa do seu irmão, e ali esteve “desolada”. A palavra desolação é muito forte. Ela revela a situação de alguém que se encontra nas cinzas. Uma vida fora marcada para sempre por causa do desatino de uma paixão. Tamar nunca mais seria a mesma pessoa. Sua inocência e ingenuidade foram roubadas na juventude.

Mas a Bíblia mostra que o ato de Amnom vai respingar em seu irmão Absalão. Ele acolhe sua irmã, ouve o relato da vileza de Amnom, mas age friamente, não tem ação imediata. Ele planeja o horário oportuno. Vingança é um prato que se come frio. Dois anos se passam, as páginas da história parecem ter virado e então ele convida todos os filhos do rei para sua casa, para estarem juntos num encontro de família. Ali Absalão prepara uma emboscada e mata seu irmão, na presença de todos os demais. A festa se transformou em luto.

Em última instância, a paixão de Amnom é causa de sua morte.

As feridas não são saradas, a espada fere aquela família, o ódio e a amargura controlam a vida destas pessoas. A paixão está cobrando um preço muito caro. As marcas seguem numa família agora dominada por partidarismo, desavenças e ódio.

Este é o padrão nefasto da paixão.

Famílias são quebradas, laços desfeitos, ressentimentos tornam-se a marca de lares onde a inconsequência da paixão dominou. São adolescentes vitimados e marcados por uma aventura aparentemente tão romântica e bonita, e que agora precisam lidar com as cicatrizes. São mulheres que abandonam suas casas, deixando para trás os seus filhos, porque “o mais importante é ser feliz”, são homens que arrebentam suas gerações por causa de uma aventura furtiva. As feridas da paixão podem nunca mais serem curadas.

Terceiro, distanciamento dos laços familiares


A atitude de Amnom afeta de forma particular e direta a Tamar, mas atinge também a Absalão que passa a odiá-lo, e a Davi, seu pai, que se distancia dele. Se o palácio já é capaz de criar afastamento de pai e filho, a atitude de Amnom torna-se uma barreira quase intransponível entre ele e Davi.

Embora o texto não afirme, ele parece indicar que a forma como Davi lidou com o estupro, afetou profundamente o coração do jovem Absalão, e isto posteriormente vai se transformar em um ingrediente a mais na tentativa dele em usurpar o trono do pai. A família se fragmentou. Não que houvesse uma relação harmônica, mas agora as relações se tornam tensas, competitivas e hediondas.



Quarto, escândalo público

O texto nos mostra que depois da afronta sofrida, Tamar sai chorando pelas ruas de Jerusalém, com cinza sobre a cabeça. Ela não manteve uma atitude de co-dependência e silêncio, ela o denunciou. Ela expôs à cidade de Jerusalém, o que acontecera nas recamaras do palácio. Em certo sentido, ela foi corajosa.

O estupro e incesto dos filhos do rei tornam-se a manchete sensacionalista e a notícia do ano. Se fosse hoje seria o conteúdo de tablóides, e a manchete das redes sociais. O ato de Amnom é discutido entre as famílias, nos palácios, nas ruas.

A Bíblia afirma que “mais vale o bom nome que as muitas riquezas”. O nome de Amnon, sucessor do rei, nada mais vale. Ele perde a honra e valor. John Edmund Haggai afirma que se perdermos todas as coisas, mas preservamos a honra, tudo o mais pode ser reconstruído.

A última consequência é que, sua paixão o destrói.

Pecado gera morte, não apenas espiritual, mas física. Gestos inconsequentes de pessoas jovens trazem destruição e morte. Mas a paixão desconhece idade, cultura e gênero.

Depois anos depois Amnom é assassinado.

Sua paixão lhe custou caro.


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