Davi foi um homem proativo. Lutou muitas
guerras, venceu muitas batalhas, expandiu o reino de Israel, governou uma nação
por 40 anos, mas com o passar do tempo, suas atividades se tornavam cada vez
mais pesados, alguns sintomas de stress e esgotamento nervoso começaram a ser
percebidos, e o esgotamento físico e mental aconteceu numa nova batalha com os
filisteus. (Uma nova, porque sua vida inteira parece que era uma constante
necessidade de afirmação contra estes inimigos incansáveis), e nesta batalha, “Davi ficou muito fatigado” (2 Sm 21.15),
a ponto de seus líderes perceberem (felizmente, porque nem sempre é assim,
muitas vezes os liderados não percebem quão cansado encontra-se seu líder, e
como ele encontra-se no limite de sua resistência).
O que provocou este esgotamento em Davi, um
líder quase imbatível e aparentemente incansável?
Creio que alguns fatores podem ser percebidos
numa leitura simples e atenta da história de Davi.
- Fator Idade – Davi ainda não era
muito idoso, se o colocarmos no prisma da expectativa de vida do Século
XXI, quando chegou ao seu limite pessoal, mas para o padrão de sua época
(a média de idade na Idade Média era de apenas 32 anos), ele já tinha
vivido bem, estava já com uns 55 anos. Ele ainda tinha vigor para ir para
a guerra, mas sua mobilidade, resistência e disposição não eram a mesma.
Sua idade conspirava contra ele.
Líderes se cansam. A idade é um fator que não
deve ser menosprezado. Quando somos jovens nossa energia parece ser inesgotável,
mas com o tempo esbarramos na saúde e na própria capacidade do organismo de
reagir, e com ele pode surgir abatimento e esgotamento.
Foi assim que me senti algum tempo atrás.
Desde os 16 anos de idade, antes de ir para o seminário me preparar para o
pastorado, estive envolvido com liderança de igreja, retiros, congressos e
programações da mocidade e da igreja. Minha primeira experiência se deu com 19
anos, quando lideramos um congresso para 350 jovens, na cidade de Gurupí, sem
dinheiro e sem apoio de outros líderes. Quando seminarista e depois, pastor de
mocidade, realizávamos encontros sem estruturas físicas adequadas, dormíamos
mal, em estruturas simples, num destes encontros tivemos que levantar todo
mundo de madrugada por causa de uma epidemia de piolhos (estávamos dormindo num
galinheiro desativado), doutra feita, quase morremos de frio numa temperatura
que cai para algo em torno de zero graus em Sorocaba, mas isto não nos
desanimava nem nos assustava.
Poucos anos atrás, ainda acompanhava os jovens
da igreja em todos encontros, ao terminar um destes encontros, cheguei à
resoluta opinião de que não iria mais a estes encontros. O problema é que o
líder de acampamentos e jovens era uma pessoa que queria muito a minha
presença, e foi difícil convencê-lo de não iria. Minha indisposição era
desproporcional ao amor do grupo organizador. Eu simplesmente não queria ir, e
a idéia não era apenas clara, mas eu estava absolutamente indisposto para a
tarefa.
Nem sempre é fácil admitir ou reconhecer esta
realidade em nós mesmos. Isto significa admitir que envelhecemos. Muitas vezes
a igreja não consegue entender esta mudança e eventualmente cobranças são
inevitáveis, mas a verdade é que líderes se cansam, envelhecem e se fatigam.
Um diácono de nossa igreja certa vez me fez a
seguinte paródia da vida:
Dos 0-10 anos:
Brinque o máximo que puder
Dos 10-20 anos:
Estude o máximo que puder
Dos 20-30 anos,
aperfeiçoe o máximo que puder
Dos 30-40 anos, ganhe
o máximo de dinheiro que puder
Dos 40-50 anos,
lidere o máximo que puder
Dos 50 anos em
diante, saia de fininho, o máximo que puder
- Fator Mesmice – Por mesmice me
refiro ao fato de que as coisas parecem se repetir. Os mesmos problemas,
as mesmas pessoas, as mesmas lutas, tudo sempre igual, sem inovação.
Quando você pensa que as coisas já avançaram um pouco, percebe em você
mesmo, e nos outros (o que é pior), que as coisas parecem estar no mesmo
lugar, não avançaram.
Olha o que este autor afirmou:
“Hoje eu amanheci cansado de mim. Hoje eu
amanheci empoeirado pela mesmice de sempre. Olhei à minha volta e vi a mesma
cortina na janela, o mesmo tapete no chão, as mesmas almofadas murchas e o
mesmo sofá no qual eu repouso as minhas mágoas há anos. Às vezes eu penso em
pintar as paredes do meu quarto com outras tintas para que os meus sonhos se
tornem mais coloridos. Mas que cores teriam os meus sonhos, então? Eu não
sei... Cansei de acordar, me ver aprisionado entre quatro paredes desbotadas e
nunca me lembrar do que eu sonhei” (Renée Venâncio).
Não foi assim mesmo que sentiu Salomão já no
final de sua vida?
“Uma geração passa e
outra chega, mas nada muda –
é sempre a mesma coisa.
O sol nasce e se poe,
um dia após o outro – é sempre igual.
O vento sopra para o
sul e depois para o norte.
Gira é dá muitas
voltas, sompra aqui e acolá –
e vai seguindo o
mesmo rumo.
Todos os rios vão
para o vasto oceano, mas o oceano não transborda.
Os rios correm para o
mar e logo depois voltam a fazer o mesmo percurso.
É um tédio só! É uma
mesmice sem tamanho!
Nada tem sentido!”
Vemos este fator mesmice claramente relatado
no texto bíblico: “De novo, fizeram os
filisteus guerra contra Israel” (2 Sm 21.15). Coloquei um negrito
intencional no inicio do texto, para demonstrar que estas coisas eram
repetitivas. Os mesmos problemas, constantes, batendo na mesma tecla, com as
mesmas pessoas e os mesmos inimigos, saturam a psique de qualquer líder. A
tradução feita por Eugene Peterson (A Mensagem), mostra esta constância da
guerra:
- “Houve
outra guerra entre os filisteus” (2 Sm 21.15);
- “Depois
houve outra guerra contra os filisteus, em Gobe” (2 Sm 21.18);
- “Em
outro conflito, contra os filisteus” (2 Sm 21.19);
- “Outra
batalha foi travada em Gate” (2 Sm 21.20);
Recentemente conversava com a minha esposa
sobre o fato de que as pessoas precisam ouvir as mesmas respostas, aos mesmos
problemas, anos a fio, e como isto eventualmente se torna rotineiro e
cansativo. Parece que o software errado
não muda, o sistema é o mesmo, usando um interminável replay, aprendendo sempre sem jamais chegar ao conhecimento da verdade
– e como isto se torna cansativo.
Einstein afirmou que “é o cumulo da tolice,
fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes”. Quando lidamos sempre
com as mesmas pessoas, cometendo os mesmos erros, e tentamos insistentemente
fazer do mesmo jeito que sempre fizemos, falar das mesmas coisas que já
falamos, isto se torna um cansaço sem fim. Espera-se certa progressão e
maturidade num aconselhamento, mas nem sempre isto acontece. Os mesmos
problemas, as mesmas reclamações e exigências, crises tem um efeito estressante
para nosso organismo.
Um admirável líder da minha denominação deixou
o pastorado de uma grande igreja, depois de 23 anos de ministério local,
aceitando o convite para assumir um cargo mais burocrático, numa autarquia da
igreja. Fiquei surpreso com sua decisão e quando o encontrei indaguei os
motivos. Ele me disse que ele precisava sair, por motivo de sobrevivência
emocional, segundo ele, determinados condicionamentos que ele mesmo criou como
líder, foram se tornando pesados demais com o passar do tempo, e me contou um
exemplo simples para ilustrar.
Um dia, após um culto no meio de semana,
estava chovendo e uma senhora da igreja estava ali aguardando uma estiagem,
para pegar o ônibus que a levaria para o bairro. Apesar de ser uma distancia
relativamente longa, numa direção oposta á sua casa, sensibilizado resolveu
dar-lhe uma carona. Na semana seguinte, aquela mulher no final do culto,
aproximou-se dele, esperando que ele se oferecesse para novamente levá-la. Ele
entendeu o recado e aquiesceu. A partir deste momento, disse ele, levá-la até
sua casa não era mais favor, era responsabilidade e dever. Ele disse que isto
acontecia em vários níveis e por isto resolveu mudar.
Desafios e problemas serão encontrados em
todos os lugares, mas eventualmente nos cansamos e começamos a fantasias que
“pepino de horta nova tem gosto diferente”, no entanto, a repetição e a mesmice
facilmente tornam-se fatores de fadiga e desânimo.
- Fator Oposição – O terceiro
elemento que surge na vida de Davi é o inimigo nos acossando. O texto
afirma que nesta guerra, Isbi-Benobe, que descendia dos gigantes, ignorou
os outros soldados e decidiu que mataria Davi. Ele era um homem de porte
extraordinário e tinha uma arma excepcional, uma lança que pesava 300
siclos, era assustador. Cada ciclo pesa 15 gramas, isto
significa três quilos e seiscentos gramas. Este inimigo deseja destruir
Davi, seu foco é um só. Não fosse a intervenção de Abisai e Davi
certamente teria sucumbido, de acordo com o relato bíblico. Este ataque,
de forma particular, deixou Davi extenuado.
Ataques dirigidos aos líderes são comuns no
ministério pastoral. Paulo descreve as oposições por ele enfrentadas e o relato
não é nada romântico (2 Co 11.24-28). São depressões, desânimo, apatia,
desencorajamento, acusações do demônio e das pessoas, cobranças externas e
internas (que tem a ver mais com nossa própria disposição de coração). Paulo
afirma que teve oposição dos judeus, mas fala também dos perigos que passou
“entre falsos irmãos” (2 Co 11.26). Narra as coisas exteriores e a preocupação
pastoral em si. “Quem enfraquece que
também eu não enfraqueça? Quem se escandaliza que eu não me inflame?” (2 Co
11.29)
Além disto, a oposição satânica. Setas
inflamadas do inimigo, ataques pesados do adversário de nossas almas,. Setas
são atiradas de longe e surgem do ambiente externo, mas algumas possuem alvos
certeiros: ansiedade, angústia, medo, opressão. O diabo é implacável e não tem
misericórdia, suas armas são pesadas como a lança de Isbi-Benobe, o inimigo de
Davi citado acima. Ele anda em derredor procurando alguém para devorar, é
necessário uma vigilância constante, já que seus ataques atingem emoções,
pensamentos e saúde física e mental.
Como
ajudar líderes cansados?
Este texto nos mostra um Davi no limite. Por
pouco ele não é destruído e no final da batalha ele se sentia “mui fatigado”.
Felizmente Abisai se colocou ao seu lado para defendê-lo. Creio que a igreja
precisa aprender alguns passos para fortalecer seu líder.
- Precisamos
protegê-los– Foi
isto que Abisai fez ao ver Davi em apuros. O texto afirma que “Abisai, filho de Zeruia, socorreu-o”
(2 Sm 21.17); dando-nos a entender que se isto não tivesse acontecido,
Davi não sairia dali vivo.
Conselhos e comunidades precisam criar um
escudo de defesa em torno de seus pastores e líderes, que enfrentam grandes
lutas no exercício do seu oficio e função. O princípio aqui presente é o de não
deixar o líder lutando sozinho. Ele vai exaurir a força e sucumbir. Conheci
membros do conselho de uma igreja local, que quando surgia um problema maior na
comunidade, que poderia envolver desgaste pastoral, se mobilizava e dizia:
“Pastor, esta não é uma tarefa sua. Nós vamos protegê-lo, cuidando disto”.
Eventualmente líderes ficam muito solitários
diante de grande lutas e com fortes e poderosos inimigos, mas ao invés de os
protegermos, podemos acrescentar ainda mais peso, porque podemos nos tornar
políticos ou apáticos com os problemas, até mesmo disciplinares e morais que
precisam ser tratados. Líderes precisam ser protegidos. Muitas vezes o desafio
é financeiro, assumido pela comunidade, que não se mobiliza deixando o pastor
na hercúlea tarefa de cuidar sozinho do problema.
- Precisamos
repensar o modelo – Esta é outra observação percebida no texto. “Os homens de Davi lhe juraram dizendo:
Nunca mais sairá conosco à peleja, para que não apagues a lâmpada de
Israel ” (2 Sm 21.17).
Com o seu líder vivendo no extremo de sua
capacidade emocional e física, os companheiros de Davi sugeriram uma mudança na
forma de fazer guerra. Não permitiriam que ele fosse com os soldados á batalha.
Esta era uma nova e arriscada forma de fazer
as coisas. Davi era inspiração do exercito por muitos anos. Ele era
carismático, encorajador, dava moral à tropa, mas agora o exercito marcharia
sem sua presença. Isto implicava num novo paradigma, uma nova postura militar.
No entanto, eles fazem isto para poupar e proteger Davi.
Eventualmente as comunidades, para proteger
seus pastores precisam redefinir funções e tarefas para não sobrecarregá-lo,
isto exige maturidade e um repensar nas estratégias e métodos, para redefinir o
modelo de ação. Novos tempos exigem novas atitudes. As coisas mudam, e a forma
de fazer pode ser reavaliada.
- Precisamos
continuar a luta – Observe este importante detalhe que observamos no
texto. As estratégias devem mudar, mas a luta não pode parar. Mudam
métodos, estratégias, mas nunca o objetivo e o alvo final. O inimigo está
ao redor, e a batalha continua. “Depois
disto, houve ainda, em Gate, outra peleja contra os filisteus” (2 Sm
21.19). com ou sem a presença de Davi, o líder maior, existe muita batalha
a ser travada, a oposição não deixa de existir. O líder foi poupado, mas a
batalha continua. Um gigante foi derrotado, mas outros surgirão.
Conclusão:
Existem muitos líderes desanimados, desfocados,
desencorajados e deprimidos. São doenças, batalhas excessivas, fragilidades emocionais,
saúde debilitada, frustrações. Não é muito difícil chegar ao limite da resistência.
Davi também se esgotou e se sentiu fatigado no meio da luta.
Que estamos fazendo para proteger estes homens
que guerrearam tanto?
Já encontrei conselhos inteiros de igrejas locais
jogando a toalha e desistindo de seu chamado, de seu papel, com o dom que havia
neles e que foi dado por meio de imposição de mãos. Homens que estavam no limite,
cansados, aborrecidos e angustiados, pensando em desistir. Estes homens
davam suas vidas pelas suas comunidades, mas agora estavam no limite.
Líderes precisam de descanso.
“Vinde repousar
um pouco, à parte, num lugar deserto” (Mc 6.31).
Jesus disse isto aos seus discípulos, pouco depois
do incidente que provocou a morte de João Batista. Todos estavam tensos e tristes.
Questões teológicas pairavam sobre suas cabeças: “como Deus permitiu que um homem
ímpio como Herodes pudesse tirar a vida de João Batista de forma tão brutal e leviana?”.
Eles precisavam de descanso.
Da mesma forma, ainda hoje, centenas de líderes
estão “correndo, porém mortos” (Wayne Cordeiro), e precisam novamente encher o tanque
emocional de suas almas, se alimentar do maná celestial para continuar na obra e glorificando a Deus através
de suas vidas.
Aeroporto de Cuiabá, 28 de maio 2014