segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Barreiras na comunicação transcultural



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O Papel da cultura na comunicação

Barreiras na comunicação transcultural

 

 

Introdução

 

Hesselgrave inicia o artigo O papel da cultura na comunicação[1] demonstrando que, antigamente, as grandes barreiras concernentes à pregação do evangelho a todo mundo, estava ligada à barreira física, às grandes distâncias e ao tempo que se levava para chegar de um lugar a outro, mas que, no momento, as grandes barreiras na comunicação transcultural estão relacionadas ao campo da hermenêutica.

 

“o problema era transportar pessoas, mensagens e bens materiais através de mares traiçoeiros, montanhas altíssimas e desertos sem trilhas ou caminhos visíveis...atualmente... “podemos levar um homem, uma Bíblia ou uma máquina de costura a qualquer lugar do mundo em poucas horas, e é possível transmitir um som ou uma figura em questão de segundos. Contudo, essas facilidades não encerram o assunto”[2]

 

Mesmo falando a mesma linguagem, o missionário pode usar as mesmas palavras, mas o receptor da mensagem pode entendê-la num sentido diferente. As barreiras, portanto, não são essencialmente físicas, mas culturais.

 

Lima afirma que

“As culturas filosóficas valorizam muito a cognição, enquanto as culturas integradas valorizam mais a experiência prática da vida. Assim é bom tentar perceber quando a convicção chega ao coração do ouvinte”.[3]

 

De 1994 a 2002 estive envolvido no projeto de plantar igrejas nos EUA. Inicialmente nosso público alvo era brasileiros, portugueses e povos de língua portuguesa, eventualmente, atingindo um ou outro de língua espanhola e algum americano (a), que se interessava pela cultura e língua (e algumas vezes se interessava por um namoro). Posteriormente as igrejas, procurando ser mais relevantes, começaram um longo, e árduo, processo de se tornar uma igreja multicultural. Formamos assim a Christ The King Presbyterian Church em Cambridge, MA (EUA).

 

A nossa igreja em Boston, se tornou até mesmo objeto de estudo e pesquisa acadêmica, porque conseguiu formar uma comunidade multicultural, tendo um pastor e um conselho misto, composto de americanos e brasileiros. No inicio, a maior parte da comunidade era brasileira, mas aos poucos, americanos foram chegando e tínhamos um culto pela manhã em inglês, traduzido simultaneamente para o português, e à noite, um culto em português, traduzido para o inglês. O cenário parecia ideal, pois era um grande desafio ver o evangelho integrando povos de diferentes culturas, e sem um pentecostes, no qual o Espírito Santo traduzia a mensagem para a língua nativa de cada grupo, tentávamos traduzir nossas diferenças e contrastes culturais. As pessoas estavam impressionadas com o que viam externamente, nós, que estávamos lidando diretamente com a questão, estávamos muito preocupados com a dinâmica e o processo. Havia sempre aspectos que não conseguiam ser articulados, e a compreensão de um e outro grupo, embora nos esforçássemos em manter, enfrentava barreiras sérias.

 

Infelizmente, mais tarde, depois de muitas tentativas, discordâncias e desavenças, o grupo não conseguiu mais andar junto. As disputas e acusações se tornaram cada vez mais intensas, a vaidade, competição e luta não permitiram que a igreja caminhasse como inicialmente havia proposto: em unidade e integração.

 

Quando estávamos no inicio desta caminhada, diagnosticamos várias barreiras que com o passar do tempo se tornaram quase intransponíveis:

 

A.   Gap Linguístico – O conselho da igreja se reunia para a discussão, e naturalmente toda conversa deveria ser em inglês. Para os imigrantes, na sua maioria pessoas simples, que faziam parte do diálogo, o processo de comunicação numa língua estrangeira tinha quatro fases:

 

                                               i.     Ouvir em inglês

                                             ii.     Traduzir mentalmente para o português

                                            iii.     Pensar em português

                                           iv.     Traduzir verbalmente para o inglês.

 

Quando, finalmente, os brasileiros se comunicavam, o faziam numa linguagem pobre e demorada. Perdia-se, portanto, a força do embate e do argumento. Além do mais, o americano ao ver alguém falando com dificuldade e com um inglês inseguro, tendia a achar que esta pessoa era intelectualmente menor. Ele não considerava que, na verdade, tal pessoa falasse em duas línguas, enquanto ele só se comunicava em uma. Certa vez, um dos líderes brasileiros, que era o que melhor se expressava em inglês, se irritou e afirmou: “ I have accent on my language, but I don’t have on my mind” (eu tenho sotaque na minha língua, mas eu não tenho na minha cabeça).

 

B.    Gap Intelectual – A segunda barreira que encontramos estava no nível do preparo intelectual. Uma pessoa com mais preparo, não necessariamente é mais inteligente, mas, na maioria das vezes, tem melhores oportunidades.

 

No caso desta igreja, vivíamos ao lado de grandes universidades. Boston possui 107 universidades para uma população de 4 milhões de habitantes. Pessoas do mundo inteiro migram para aquela cidade buscando melhores formações. Duas das maiores universidades do mundo, Harvard e MIT, eram vizinhas da igreja. Era natural que o público americano fosse muito bem preparado.

 

Do lado brasileiro, a maioria era de pessoas fazendo dirty Jobs, (trabalho braçal) trabalhando em subempregos, então, a forma de julgar as coisas, conceitualmente, era muito diferente. Um dos brasileiros que era um homem extremamente inteligente, embora sem educação formal, orgulhosamente me confidenciou um dia que, pela primeira vez na sua vida, tinha conseguido ler um livro inteiro.

 

Embora houvesse profunda sensibilidade de alguns membros do conselho do lado americano da congregação, isto não estava presente em todos. Havia especialmente da parte do pastor americano, um certo esnobismo cultural e uma depreciação aos imigrantes. Estes, por sua vez, já sofriam este desnível social no seu trabalho, e projetavam isto na comunidade. O sentimento de rejeição estava presente e isto se manifestava no diálogo com os americanos.

 

C.    Gap Financeiro – Em toda sociedade moderna, um padrão comum que pode ser encontrado é que, pessoas com melhores formação, tendem a ter melhores condições salariais.

 

Isto não era diferente em Boston.

Enquanto o brasileiro trabalhava 70-80 hs semanais para um salário anual de 30 a 40 mil dólares, o salário do americano, que trabalhava suas 40 hs semanais, girava em torno de 100 mil dólares.

 

Quem ganha melhor, consome de forma diferente, viaja mais, compra melhores carros, possui melhores programas sociais e vive em casas maiores. E isto, em qualquer sociedade, distancia pobres dos ricos. Não necessariamente de forma intencional, mas porque o estilo de vida é diferente.

 

Este aspecto, eventualmente se tornou um grande problema na vida compartilhada, que era uma das propostas essenciais da igreja multicultural. O que se buscava era uma igreja que, por meio do evangelho, pudesse transcender a distância entre os povos, tornando ambos em só povo, o povo redimido. Este gap, portanto, tornou-se cada vez mais, uma barreira na integração das raças, pois mesmo em igrejas da mesma raça, pessoas com níveis sociais e financeiros diferentes encontram mais dificuldade em desenvolver amizades por causa dos custo financeiro envolvido nos programas e as oportunidades diferentes que cada grupo apresenta.

 

D.   Gap Cultural – Acima de tudo, porém, estava o Gap cultural. Como afirmou Clyde Kluckhohn, “A cultura é um modo de pensar, de sentir e crer”. Acrescenta ainda “A cultura é um plano de vida. Um plano segundo o qual a sociedade se adapta ao seu ambiente físico, social e conceitual”[4]

 

Clyde Kluckhohn[5], afirma que cultura possui alguns elementos:

1. o modo de vida global de um povo;
2. o legado social que o indivíduo adquire do seu grupo;
3. a forma de pensar, sentir e acreditar;
4. uma abstração do comportamento;
5. uma teoria, elaborada pelo antropólogo, sobre a forma pela qual um grupo de pessoas se comporta realmente;
6. um celeiro de aprendizagem em comum;
7. um conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes;
8. comportamento aprendido;
9. um mecanismo para a regulamentação normativa do comportamento;
10. um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao ambiente externo como em relação aos outros homens;
11. um precipitado da história;

Criamos almoços comunitários, e programas coletivos, mas tanto brasileiro quanto o americano não estavam muito dispostos a se envolver. Se sentiam mais a vontade com seu grupo que pensava a mesma coisa e tinha o mesmo cardápio à mesa. Naturalmente esforços foram feitos de forma mais esporádica e individual, mas ainda assim, a interculturalidade não era experimentada na sua plena dimensão. A velha narrativa ainda estava presente: “multiplicando-se o número dos discípulos, houve murmuração dos helenistas contra os hebreus” (At 6.1). A suspeição estava presente, e isto desembocaria anos mais tarde numa ruptura cheia de controvérsias e acusações, principalmente entre os pastores. O sonho virou pesadelo. A etnicidade prevaleceu para vergonha do evangelho.

 

Idioma e cultura

Na verdade, o idioma é apenas um aspecto da cultura. O índio ao ser indagado pelo missionário se quer se converter e se tornar cristão, pode estar dizendo sim, para não desagradar o pregador, mas não estar ainda entendendo todas as implicações do cristianismo, por mais claro e direto que o mensageiro procure ser quanto ao discipulado cristão.

 

Hesselgrave afirma que o missionário pode viajar milhares de quilômetros para se encontrar com uma cultura distinta, mas a grande desafiadora viagem tem a ver com os quarenta centímetros que separam a mente do coração. Será que a mensagem foi realmente entendida? “precisamos estudar, não apenas o idioma, mas os ouvintes, conhecer a mensagem e o objeto da mensagem” (Hesselgrave)[6].

 

Martyn Lloyd Jones afirmou: “a verdade deve sempre ser aplicada. A compreensão genuína da verdade sempre conduz à aplicação. Portanto, se um pregador não aplica a verdade, seu real problema é que não a compreendeu”.

 

Segundo John R. W. Stott, o pregador deve “construir pontes” que atravessem o abismo das eras. Estas pontes devem unir o texto bíblico às pessoas que ouvem a pregação; “é por cima deste abismo amplo e profundo de dois mil anos de cultura (ainda mais no caso do Antigo Testamento) que os comunicadores cristãos precisam lançar pontes. Nossa tarefa é deixar a verdade revelada por Deus fluir das Escrituras para a vida de homens e mulheres de nossos dias." Muitos pregadores são ineficazes na pregação porque falham na sua aplicação. O pregador precisa saber fazer a ponte entre a Palavra de Deus e a realidade da vida das pessoas, por isto, “um sermão que começa na Bíblia e permanece na Bíblia, não é necessariamente bíblico” (Larsen).

 

Mas ainda assim, nos deparamos com a dificuldade da pregação multicultural.

 

Três aspectos precisam ser considerados:

 

1.     A cultura Bíblica

 

Isto tem a ver com o conhecimento Exegético. O que o autor bíblico queria dizer com aquilo que falou? Ao estudar a Bíblia, é importante reconhecer que existe uma grande barreira entre o sentido das palavras que foram usadas no original, com as palavras que usamos hoje na tradução. O grande desafio exegético é entender, o mais próximo possível, acerca da intenção original do autor. O que ele estava querendo afirmar? Esta era de fato sua ideia? A tradução não obscureceu o sentido original?

 

A exegese ajuda o intérprete a se aproximar do texto e extrair, o mais próximo possível, seu significado original. Isto demanda estudo, tempo e eventualmente, conhecimento das línguas originais. É essencial que o missionário seja alguém que maneja bem a palavra da verdade (1 Tm 2.15), pois só assim ele será aprovado. O missionário é simples mensageiro.

 

2.     A cultura do missionário

 

Na segunda etapa desta comunicação, temos a condição do próprio mensageiro, porque ele não se aproxima da Bíblia sem a influência de sua própria cultura. Bultmann afirmava que “nenhum intérprete se aproxima da Bíblia sem pressuposições”.

 

Apesar dele estar certo nesta afirmação, o resultado da exegese de Bultmann foi uma catástrofe. Ele passou a achar que o que interessava não era o que o texto dizia, mas sim o que o intérprete entendia. Então, a hermenêutica não teria quaisquer princípios, pois a base da interpretação depende do estudante da Bíblia, e não da verdade que contém na Bíblia. Quando a hermenêutica se faz a partir da compreensão do hermeneuta e não a partir da verdade textual, cada um poderá fazer a bíblia dizer o que acha que ela é, e não aquilo que, originalmente ela era.

 

Apesar do missionário ser um simples mensageiro, ele tem a barreira da sua própria cultura que pode incorporar elementos nada bíblicos à análise textual. Exemplos de colonialismo e legalismo sendo transmitido como verdades bíblicas são notórios nos relatos missionários. O missionário tem que lutar para não projetar o significado de sua cultura no processo exegético.

 

3.     A cultura do receptor

 

No processo da comunicação multicultural, temos ainda outra barreira a enfrentar: como o ouvinte ouve, recebe e interpreta a mensagem?

 

Esta é a cultura alvo, ou cultura respondente. O mensageiro tem a responsabilidade de entregar a a mensagem bíblica e fazê-lo de forma relevante, comunicando a homens fieis que possa transmitir a outros, a mensagem do evangelho (2 Tm 2.2).

 

A tríplice tarefa do missionário

Sua tarefa possui, portanto, três elementos: Primeiro, entender a cultura bíblica; Segundo, deixar a verdade confrontar a cultura do intérprete e trazer o evangelho na sua expressão mais pura quanto possível; terceiro, decodificar esta mensagem e entregá-la de forma relevante à cultura alvo.

 

Existe um abismo amplo e profundo entre a cultura, geografia e linguagem dos textos bíblicos produzidos há dois mil anos atrás e da sociedade moderna. Os pregadores se tornam eficientes quando fazem esta conexão entre os dois mundos. “A verdade deve sempre ser aplicada. A compreensão genuína da verdade sempre conduz à aplicação. Portanto, se um pregador não aplica a verdade, seu real problema é que não a compreendeu” (M. L. Jones).

 

Alguns exemplos podem nos ajudar a entender como este desafio é gigantesco:

 

A Bíblia afirma que João Batista comia gafanhotos e mel silvestres, e os guias judeus nos dias atuais afirmam que o “mel silvestre” nada mais seria que as deliciosas tâmaras que crescem no deserto da Judeia.

 

O texto de Ap 3.20 afirma: “Eis que estou à porta e bato, se alguém ouvir a minha voz, abrir a porta, entrarei, cearei com ele e ele comigo”. Na cultura do povo Zanaki, só o ladrão bate na porta, para ver se há alguém em casa e então entrar para roubar. Uma pessoa amiga, nunca bate na porta, mas chama a pessoa.

 

Os índios no Sul do México constroem suas casas com palhas e folhas, e os intérpretes quando foram traduzir a bíblia na língua deste povo, tiveram que usar outra linguagem para a tradução de Mt 12.40 que fala daqueles que “devoram a casa das viúvas”, pois eles pensavam que isto era algo literal.

 

A tarefa da comunicação não é fácil quando um ocidental tem como seu público alvo o asiático; ou quando o brasileiro tenta se comunicar com os ciganos, quilombolas e indígenas, com toda sua interpretação simbólica de mundo. Afinal, comunicação não é o que você diz, mas o que o outro entende.

 

Temos o risco de transmitir a cosmovisão do missionário confundindo-a com a mensagem do evangelho ou, assumir uma superioridade cultural que crie barreira entre o comunicador e o receptor.

 

André Souza[7], afirma que um dos princípios que devemos considerar é que o Evangelho inteligível supera as diferenças:

Comunicação significa tornar comum. Então, quando falamos de comunicação transcultural do Evangelho estamos falando em tornar comum (inteligível) o Evangelho para a cultura receptora. Mas temos mais um problema neste ponto: muitas vezes não conseguimos comunicar corretamente dentro da nossa própria cultura, imagine então em outra, onde todo o processo de socialização que recebi desde o meu nascimento agora não funcionam mais quando me deparo com o campo transcultural. Por exemplo, se digo a um esquimó: O sangue de Cristo lhe torna mais branco que a neve, logo devo perguntar: de qual branco estamos falando, já que, para eles, existem mais de dez tonalidades desta cor. Como apresentar Cristo para pessoas distintas, de faixas etárias diferente, de contextos urbano e rural diferentes. Como falar de Cristo, para um universitário urbano brasileiro? Falar de comunicação cultural ou transcultural não significa somente a compreensão de uma “gramática linguística”, mas também de uma “gramática cultural”. Ambas precisam ser compreendidas dentro do contexto em que estão para que a mensagem do Evangelho faça sentido. Em outras palavras precisamos conhecer bem o Evangelho e bem a cultura afim que obtenhamos sucesso na comunicação. Precisamos comunicar com sentido, porém não podemos em nenhuma hipótese negociar o Evangelho para que isso aconteça. O Evangelho deve desafiar, confrontar e transformar. Se qualquer um desses aspectos forem negados, precisamos urgentemente rever que Evangelho estamos anunciando.”

Por ser transcultural e atemporal, o evangelho consegue ultrapassar barreiras e ser apreendido por diferentes culturas, etnias e linguagem. Afinal, uma das maravilhosas visões.

 

 

 

 

 




 

 

 



[1] Hesselgrave, David J. – O papel da cultura na comunicação, in Perspectivas no movimento cristão mundial, Ralph D. Winter, org. São Paulo, Ed. Vida Nova, 2009, pg 401

[2] Idem, Op cit. pg 401

[3] Lima, Silas – Contextualização entre os indígenas, in Perspectivas no movimento cristão mundial, Ralph D. Winter, org. São Paulo, Ed. Vida Nova, 2009, pg 408

[4] Apud, Hesselgrave, ibidem, pg. 402

[6] Op. Citado, pg 401

[7] • André Souza, missiólogo e antropólogo, com experiência entre a etnia indígena WaiWai. http://ultimato.com.br/sites/paralelo10/2017/08/por-que-o-missionario-precisa-estudar-a-linguagem-cultural/

 


segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Obstáculos contemporâneos à Evangelização


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A evangelização eficiente sempre tem sido um dos mais fortes gargalos e desafios da igreja moderna. Pedro pregou um sermão no dia do Pentecostes, e três mil pessoas se converteram, nós pregamos três mil sermões, e ninguém se converter.

Quando pastoreava nos EUA, éramos vizinhos de uma igreja luterana, e um dia, o velho pastor daquela comunidade disse ao Rev. Terry Giger, com quem eu trabalhava, que estava naquele pastorado há 12 anos, mas nunca tivera o privilégio de batizar sequer uma pessoa em sua comunidade. Quando ouvi esta história, eu disse que enlouqueceria se tivesse um ministério tão infrutífero.

Eu sei que quem faz a obra é o Senhor, mas será que não nos incomoda o fato de termos tão poucos frutos e sermos tão ineficazes neste mandato essencial à igreja de Cristo de ir e fazer discípulos de todas as nações batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo?

A igreja de Cristo evangeliza pouco nos dias atuais, e quando o faz, faz com pouca eficiência. Isto enfraquece o mandato missionário. Mesmo aqueles que afirmam possuírem um “chamado missionário” e que são desafiados a irem para campos inalcançados e transculturais, parecem viver sem a “santa obsessão” de fazerem discípulos de todas as nações, e muitas vezes possuem ministérios infrutíferos, no que concerne à evangelização, com muitos poucos frutos no ministério.

Ao pensar nestas coisas, precisamos considerar quais são os obstáculos mais comuns à uma evangelização eficaz. Rev. Wilson de Castro Ferreira, meu professor no seminário de “Religiões Comparadas e Missões”, parodiava sua matéria dizendo que deveria ser chamada de “religiões com-paradas e o-missões”.

Gostaria de enumerar alguns aspectos que podem impedir o avanço da evangelização em nossos dias. A lista não é exaustiva, apenas aponta para algumas áreas que julgamos negligenciadas:






1. Evangelho identificado com uma cultura – Muitas regiões do mundo rejeitam o cristianismo sem nunca ter ouvido falar de seu conteúdo, porque acham que ele faz parte de uma cultura dominadora e opressiva. O cristianismo é identificado com uma cultura ocidental. O mundo islâmico ensina isto constantemente. Neste caso, o cristianismo não é a pessoa de Cristo, mas um sistema aliado a um opressor.

No Brasil, podemos dizer que quando falamos de evangelho, poucas pessoas sabem o que significa, e acredito que até mesmo os “evangélicos” pouco entendam da natureza do evangelho. Recentemente um articulista da Revista Veja escreveu um artigo agressivo e preconceituoso afirmando que os “crentes são um povo chato e incômodo”.

Na concepção popular, ser “crente” no Brasil é fazer parte de uma comunidade, permeada por pastores oportunistas e gente de classe baixa, constantemente enganada pela avidez empresarial dos pregadores midiáticos. Os evangélicos são vistos como uma sub-cultura analfabeta e ignorante, com pastores charlatões, e tendo em Edir Macedo a figura popular associada ao pastorado.

Portanto, uma das grandes barreiras atuais na evangelização é a necessidade de fazer distinção entre evangelho e evangélicos. Quando tentamos evangelizar, uma das coisas que acontecem imediatamente é que as pessoas confundem a mensagem. Para que a pessoa ouça o evangelho, ela terá que ser desprogramada em relação ao preconceito natural que ela tem dos “chatos evangélicos” ou corrigir a falsa percepção do “evangelho dos santos evangélicos” de acordo com Juan Carlos Ortiz.

As pessoas não querem ser evangélicas e, na verdade, não querem sequer conviver com evangélicos que são associados a um povo reprimido, pronto para acusar o pecado dos outros, que se julgam superiores do ponto de vista moral e espiritual.

Como comunicar eficazmente se há uma barreira entre o comunicador e o receptor? Sabemos que esta é a barreira número um na comunicação eficaz. Certamente o evangelho seria melhor aceito se as pessoas encontrassem nas igrejas aquela dimensão registrada no livro de Atos: “louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos” (At 2.47). Uma comunidade simpática atraia as pessoas a Jesus, esta era uma das razões da eficácia da evangelização.

Será que igrejas atuais possuem este componente? As pessoas se identificam e gostam de estar ao nosso lado? Como interpretar o evangelho à uma cultura específica como esta? Como ser santo e integro, sem ser moralista e inflexível?

Um dos temas modernos que tem exigido maior reflexão teológica é a “Inculturação”. Alguns autores preferem o termo “aculturação”. Em ambos os casos, a ideia é que as pessoas não nos ouvirão antes de se identificarem existencialmente conosco. Precisamos conquistar o direito de falar e ser ouvido.

Foi isto que Jesus fez: Ele se identificou com a raça humana, ele se encarnou, vestiu-se de pele humana, andou entre as pessoas, curando, abençoando, e falando das boas novas do Evangelho. Este envolvimento empático atraiu os pecadores. As pessoas, por mais quebradas, rejeitadas, pecadoras e estranhas que fossem, não se sentiam repelidas por Jesus.

O apóstolo Paulo, que foi grande evangelista, descreve apaixonadamente seu esforço para se aproximar das pessoas na condição em que elas estavam, ele se esforçava para se identificar com elas. “Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1 Co 9.20-22).

Havia na estratégia evangelística de Paulo, uma clara intencionalidade de se identificar com a cultura à qual anunciava o evangelho. Não deveríamos também de nos esforçar para semelhante nos identificar com as pessoas pelas quais oramos e ansiamos que Jesus se torne conhecido?

Esta é uma das enormes barreiras que temos a enfrentar quando falamos de evangelização eficaz.

2. Falta de efetividade nos resultados – Talvez você esteja dizendo que isto deveria ser colocado como consequência e não como causa, e certamente você tem razão na sua argumentação, mas deixe-me tentar, pelo menos tentar, organizar meu pensamento sobre isto.

Acredito que uma das razões do evangelho ser tão ineficaz, ou, que sua proclamação seja tão estéril esteja no fato de muitos cristãos não semeiam com esperança a mensagem do evangelho.

Sei teologicamente da argumentação de muitos pregadores que “números não são o alvo da evangelização”, entendo perfeitamente a preocupação de homens de Deus em que não nos tornemos uma igreja obcecada por crescimento e estatística. Por outro lado, vejo homens que não se preocupam com crescimento, e fazem as coisas sem serem objetivos e diretos nos sermões e nas abordagens que fazem.

Eventualmente, até mesmo os plantadores de igreja que teoricamente deveriam ser mais enfáticos sobre esta questão, se contentam em, ano após ano, não verem frutos em seus ministérios. Muitos sem sequer um batismo o ano inteiro. Igrejas debilitadas, programas sem eficácia. Será que deveríamos aceitar esta realidade como uma condição normal? Considere as estatísticas dos plantadores de igreja. Os números são assustadoramente inexpressivos. Seria esta uma condição normal?

John E. Haggai escreveu interessante e provocativo livro. “Ouse pedir uma decisão”. O fundador do Instituto Haggai está com quase 100 anos, e sentiu sempre atraído à missão e evangelização. Ele insiste que uma das grandes razões da ineficácia dos ministérios consiste no fato de que muitos anunciam o evangelho corretamente, mas na hora de convidarem o pecador a se render a Cristo, eles não o fazem. Haggai chega a propor que precisamos dar a chance ao pecador de tomar uma posição contra, ou a favor de Cristo. Por não apelarmos ao coração do pecador, ele não percebe que precisa de tomar uma decisão sobre a vida eterna.

Spurgeon narra no seu livro, um diálogo que teve com um de seus estudantes de teologia que lhe perguntou a razão de não ser tão eficiente na pregação. Ele então pergunta: “você realmente está convencido de que o Espírito Santo está agindo e que aquela pessoa pode ser transformada com a mensagem que você prega?” e ele respondeu titubeante, que às vezes sim, às vezes não. E Spurgeon então replicou: “Então, não é de se surpreender que você tenha tão poucos frutos no seu ministério”.

Paulo tratou deste assunto de forma direta: “...pois o que lavra, cumpre fazê-lo com esperança; o que pisa o trigo, faça-o na esperança de receber a parte que lhe é devida” (1 Co 9.10b). Tenho percebido que as igrejas fazem muitos eventos, sem considerar o alvo de todo programa eclesiástico: trazer pecadores aos pés de Cristo. São programas eventualmente caros, bem elaborados, mas ninguém o faz com expectativa de que algum fruto genuíno de salvação. O programa se torna um fim em si mesmo, feito mais por diletantismo e para que as pessoas apreciem com um olhar cultural, poético, e até mesmo para demonstrar com orgulho que somos capazes de fazer um grande programa.

Mas qual é o final da ação da igreja?

Quando um número significativo de pessoas decide se tornar membro de nossa igreja, fazemos um jantar para falarmos de quem somos teologicamente e quais os programas da igreja local. Um dos meus presbíteros afirma: “Esta é a reunião mais importante da igreja”, e ele fala isto com convicção e eu concordo plenamente. Por que? Porque alcançar vidas é única razão que justifica todo o dispêndio financeiro, todas as visitas, programas e ações da igreja. A verdadeira igreja de Cristo possui um forte envolvimento missionário e frutos são uma evidência clara disto.

A dubiedade com que pregamos o evangelho pode ser a causa da pouca eficácia. Semeamos sem esperança, pisamos o trigo sem expectativa de receber a parte que nos é devida. Mas a Bíblia afirma que quem sai andando e chorando enquanto semeia, deve voltar com júbilo, com os braços cheios, trazendo os seus feixes.

A falta de expectativa na efetividade do trabalho, leva-nos a ter uma igreja sem expectativa e um ministério sem ousadia. Seria esta a condição normal da igreja de Cristo?

3. Falta de empoderamento no testemunho cristão – Outro problema é o fraco testemunho da igreja local. As pessoas não se sentem atraídas ao evangelho porque o testemunho é frágil.

O efeito de um pastor sem autoridade moral pode ser devastador para uma igreja. Muitas igrejas levam anos para superar as marcas deletérias de uma vida sem autoridade.

Isto se dá não apenas quanto ao pastor. Muitas igrejas são marcadas por escândalos, maus patrões, maus funcionários, jovens sem santidade, lares fragilizados por brigas e discórdias, pessoas irresponsáveis nas finanças, membros conhecidos por serem mau pagadores. Tudo isto distancia pessoas da igreja.

Já tive caso de pessoas que se recusaram a vir à igreja que pastoreio por causa do testemunho de determinados cristãos. Tenho aprendido que uma das características desta geração é que ela não suporta incoerência, apesar de ser marcadamente incoerente.

Observe as pessoas que se aproximam da igreja. Por que o fazem? Em geral, porque foram convidadas por alguém que elas admiram e respeitam. Bons evangelistas são pessoas equilibradas, não preconceituosas, que amam os pecadores e querem atrai-los a Cristo. Quando uma pessoa distanciada de Deus vê tais marcas no povo de Deus, elas se interessam por Jesus. O contrário também ocorre. Testemunho fraco gera grandes barreiras à evangelização.

4. Dificuldade no acolhimento aos novos convertidos – Muitas igrejas não evangelização eficazmente por não saberem acolher aqueles que foram alcançados pela graça de Cristo.

George Barna escreveu o livro “Igrejas amáveis e acolhedoras” falando sobre o assunto. Ele afirma que existem oito coisas que tais igrejas NÃO fazem:

              1. Não limitam Deus


                       2. Não desprezam visitantes


                               3. Não se isolam da comunidade


                                           4. Não alienam diferentes


                                                      5. Possuem evangelismo vibrante


                                                                 6. Não evitam confrontação


                                                                           7. Contratam em função de necessidades.


                                                                                      8. Não tomam rotas mais fáceis


Preste atenção no item 2 : “Não desprezam visitantes” e no item 4: “Não alienam diferentes”.

Igrejas eficazes na evangelização aprendem a acolher os que chegam. Isto não significa apresentá-las publicamente. Na cultura americana, o medo número 1 das pessoas é ser exposto publicamente. Não sei se isto se aplica à cultura brasileira, mas geralmente achamos interessante pedir a pessoa para ficar em pé e falar seu nome. Muitas vezes fazemos isto de forma constrangedora, com visitantes que desejariam ser ignorados e apenas ouvir a palavra e participar do culto. Será que precisamos realmente convidá-los a ficar de pé? Não tenho respostas para isto, mas já aprendi que quem gosta mesmo de ser apresentado nas igrejas são velhos pastores e presbíteros. Ah, quase me esqueci, os seminaristas também.

O item 4 fala basicamente da mesma coisa. “Não alienar diferentes”. Se quisermos ser eficazes na evangelização, temos de aprender lidar com pessoas que fizeram opções diferentes daquelas que fazemos, seja quanto ao uso e costume, ou até mesmo quanto à moral, entendendo que o Evangelho é quem deve mudar as pessoas, e não os evangélicos. Comunidades legalistas e preconceituosas, repelem pessoas quebradas e os diferentes.

5. Mentalidade de gueto da igreja – Algumas igrejas se satisfazem num estilo introspectivo e chegam até mesmo a afirmar que não querem crescer, que igreja boa é melhor, possuem pouca mentalidade missionária e não se sentem desafiadas a alcançar outras pessoas.

De forma histórica podemos dizer que são judaizantes quanto à missiologia. Elas não possuem estratégia para os que são de fora, e nem lhes interessa os “gentios”. Tais igrejas não apenas não evangelizam, mas historicamente tem grande probabilidade de deixar de existir, porque com o passar do tempo tendem a declinar no seu número de membros, até seu patético fechamento.

São igrejas auto centradas e que desenvolvem um bom ambiente comunitário, na qual o pastor assume uma figura paterna, eventualmente com longos ministérios e poucos desafios, mas confortavelmente adequados. Igrejas assim se tornam ensimesmadas e satisfeitas com seus programas intramuros.

“É extremamente fácil para uma igreja ter uma grande quantidade de programas, dando a ilusão de um atarefado ministério, quando, na realidade, o que está acontecendo é apenas o desenvolvimento de nichos onde as pessoas podem sentir-se confortáveis, em lugar de serem desafiadas”. (Barna, George - Igrejas amáveis e acolhedoras, pg 48)

Igrejas com tais perfis são muito comuns, perdendo o ardor missionário sem se sentirem desafiadas à evangelização. Esta pode ser uma grande armadilha para boas, estáveis e históricas igrejas que contam com uma boa estrutura e todos os seus departamentos funcionando adequadamente. São igrejas com um pastorado longos, politicamente corretos, pregando uma boa mensagem sobre um manso e suave Jesus, com medo de ofenderem as pessoas com o evangelho se esquecendo que “a missão da igreja é fazer missão”. Nisto consiste nosso chamado, e é para isto que a igreja é convocada por Cristo. “Ide por todo mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16.15)

6. Evangelho identificado a legalismo- A sexta e última razão desta lista que não pretende ser extensiva (se o leitor quiser me ajudar, basta fazer um comentário, porque este artigo ainda está sendo elaborado...), é o fato de que podemos confundir evangelização com outros fatores.

Por exemplo: podemos achar que uma pessoa foi evangelizada porque ela decidiu se tornar membro de uma igreja local. O fato de uma pessoa se tornar membro de uma igreja não significa, necessariamente, que ela entendeu o plano da salvação e a obra de Cristo na cruz. É possível se tornar membro de uma comunidade por causa da identificação social com as pessoas, por emocionalismo ou por tradição de família, mas isto não significa que a pessoa entendeu a obra de Cristo.

Outro risco tremendo, e que se torna um obstáculo à evangelização em nossos dias é que muitos associam a evangelização ao abandono de determinados pecados socialmente condenados. Achamos que uma pessoa é “crente” porque deixou de fumar, ou porque não dança mais, ou porque não toma uma gota de álcool. Seria isto realmente evangelização?

Certamente, o abandono de pecados e práticas morais contrárias à palavra é um bom indicio de uma mudança interior. Na verdade, não saberemos se uma pessoa é convertida se ela não produzir frutos de arrependimento, mas seria o abandono de tais práticas a evidência genuína de conversão?

As igrejas evangélicas no Brasil são marcadas por um código de moral restrito, muitas normas ascéticas, muitas proibições como “não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro” (Col 2.21), mas Paulo afirma que “tais coisas, com efeito, tem aparência de sabedoria, como culto de si mesmo de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não tem valor algum contra a sensualidade” (Col 2.23). Podemos equivocadamente acreditar que determinada pessoa foi evangelizada, quando na verdade ela foi catequizada. Controlamos comportamentos exteriores, mas a obra de Cristo não foi aplicada ao seu coração. Na verdadeira definição do termo, ela não foi evangelizada.

Conclusão

Como admitimos no estudo, esta abordagem é incompleto e preliminar. Muitos outros fatores podem ser adicionados aos obstáculos contemporâneos da evangelização.

Como igreja de Cristo precisamos estar atentos a esta questão.

Precisamos anunciar a Cristo e buscar formas eficientes e efetivas para a proclamação. Quando Paulo falou de seus métodos ele disse que corria “não sem meta e lutava não como desferindo golpes no ar”(1 Co 9.26). Ele usava todos os modos “com o fim de salvar alguns” (1 Co 9.22). Ele usa estratégias, emprega determinados métodos, se aproxima apaixonadamente para tornar efetiva a pregação do evangelho.

Para superar os obstáculos do tempo presente, precisamos ter o olhar de Cristo, “aproveitando sempre as oportunidades com os que são de fora”.

Que Deus nos abençoe!