segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Deus fala pouco...


Ao ver tantos homens se arvorarem hoje, falando em nome de Deus, profetizando, prenunciando uma suposta comunicação com o Eterno, eu me assusto muito, porque ao ler criteriosamente a Bíblia percebo que mesmo nos tempos bíblicos, Deus não fala muito...
Nos dias de Samuel, tempos de intensas manifestações proféticas, houve dias de escassez: “Naqueles dias, a Palavra do Senhor era mui rara; as visões não eram frequentes” (1 Sm 3.1). Deus, muitas vezes, de forma intencional, se silencia em razão dos seus decretos e propósitos.
A palavra de Deus para alguns profetas é tão especifica e excepcional, que fazem questão de dar e relatar o ambiente histórico e político: “Aconteceu no trigésimo ano, no quinta dia, do quarto mês, que estando eu no meio dos exilados, junto ao rio Quebar, se abriram os céus e tive visões de Deus” (Ez 1.1). O impacto da revelação de Deus foi tão forte, deixou marcas tão profundas que ele faz questão de registrar o dia, o mês e o ano e o local.  Ao continuarmos a leitura vemos o seguinte: “No quinto dia do referido mês, no quinto ano de cativeiro do rei Joaquim, veio expressamente a palavra de Deus, a Ezequiel, filho de Buzi, o sacerdote na terra dos caldeus, junto ao rio Quebar, e ali esteve sobre ele a mão do Senhor” (Ez 1.2-3). Por ser algo tão maravilhoso e tremendo, ele faz questão de demonstrar o contexto político e as condições em que estavam vivendo. A palavra de Deus é muito séria.
O comentário da Bíblia Vida Nova afirma: “Ezequiel começou seu ministério publico quando uma boa parte de Judá estava em cativeiro em Babilonia, antes da destruição da cidade de Jerusalém... depois da queda em 597 a.C., o povo de Judá reconheceu, tarde demais, que havia merecido o castigo final... o livro começa com uma data internacional, o trigésimo ano do império da Babilonia, que começou com a dinastia de Nabupolassar (626-605 a.C. este levou apenas cinco anos para acrescentar à antiga cidade de Babel os territórios ao redor, forçando os Assírios a recuar para seu próprio país. Se Ezequiel está usando esta data, 621 a.C. para inicio do novo império, estamos no ano 593 a.C., vs. 2. Quebar era um grande canal que irrigava a parte oriental da cidade da Babilonia, é provável que os cativos estavam sendo usados para completar a construção deste rio artificial”. 
A próxima revelação que o profeta recebe só acontece um ano depois. “No quinto dia do sexto mês do sexto ano do exílio, eu e as autoridades de Judá estávamos sentados em minha casa quando a mão do Soberano Senhor veio ali sobre mim” (Ez 8.1). “No sexto ano”. 592 a.C.,, era quase um ano depois da visão inicial.
A próxima série de revelações inicia-se no capítulo 20. “No décimo dia do quinto mês do sétimo ano do exílio, alguns dos líderes de Israel vieram consultar o Senhor, e se sentaram diante de mim. Então me veio esta palavra do Senhor” (Ez 20.1,2). Trata-se do ano 591 a.C, um ano e um mês depois dos outros relatos narrados a partir de Ez 8.1.
Talvez o mais conhecido tempo da história sem revelação reconhecida como canônica ou inspirada, tenha se dado entre o livro de Malaquias, e o primeiro livro do Novo Testamento que foi escrito. Os historiadores falam do “período intertestamentário”, ou “período do silêncio de Deus”. A tradição reformada e evangélica não reconhece qualquer texto inspirado durante este período de 430 anos. Na verdade, teólogos admitem a possibilidade de que Deus pode ter falado neste período, mas não reconhecem nenhum livro canônico neste período.

Por que Deus fala pouco?

A razão mais direta é porque Deus vela pela sua palavra: “Ainda veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Que é que vês, Jeremias? E eu disse: Vejo uma vara de amendoeira.
E disse-me o Senhor: Viste bem; porque eu velo sobre a minha palavra para cumpri-la” (Jr 1.11,12). Afinal, “Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa. Porventura, tendo ele dito, não o fará? ou, havendo falado, não o cumprirá?” (Nm 23.19). Quando ele afirmar algo, fizer alguma declaração, sua palavra inexoravelmente vai se cumprir, e não há força no céu e na terra que possa impedir que ela se realize.
O Rev. Wilson de Souza, que durante muitos anos foi pastor da 8ª Igreja de Belo Horizonte, diante de pensamentos liberais, fez certa feita a seguinte declaração dialética: “Se Deus não disse o que teria dito, porque não disse o que teria de dizer?”. Sua palavra é fogo, é martelo que esmiúça a penha (Jr 23.29).

Pouco, mas suficiente...

Apesar de falar pouco, a Bíblia nos ensina que Deus sempre se revelou na história, afinal, ele não é um poder frio e silencioso. “No passado ele permitiu que todas as nações seguissem os seus próprios caminhos. Contudo, não ficou sem testemunho: mostrou sua bondade, dando-lhes chuva do céu e colheitas no tempo certo, concedendo-lhes sustento com fartura e enchendo de alegria os seus corações". (At 14,16,17). Apesar de falar pouco, não é ausente.
O que Deus fala, é suficiente. Embora a bíblia não esgote todos os assuntos, e não seja exaustiva em todos os temas; naquilo que ela faz afirmações, podemos confiar, afinal, Jesus declarou que aquele que nele crê, nunca será envergonhado, e jamais será confundido.
Quando Jesus relatou a história do rico e de Lázaro, o rico, ao ver-se na condição de julgamento e de tormento suplica: “Ele respondeu: ‘Então eu lhe suplico, pai: manda Lázaro ir à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos. Deixa que ele os avise, a fim de que eles não venham também para este lugar de tormento’. "Abraão respondeu: ‘Eles têm Moisés e os Profetas; que os ouçam’. ‘Não, pai Abraão’, disse ele, ‘mas se alguém dentre os mortos fosse até eles, eles se arrependeriam’. Abraão respondeu: ‘Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos’". (Lc 16.27-31).
O autor da carta aos hebreus é bem objetivo quanto a esta questão: “Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos nossos antepassados por meio dos profetas,
mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez o universo” (
Hb 1.1-2).
Deus falou “muitas vezes”, e de “muitas maneiras”, mas ele fala apenas aquilo que é suficiente para nossa salvação. Deus não se deixa enredar por especulações, filosofias e vãs sutilezas ou questiúnculas banais que só servem para afagar o ego de pensadores narcisistas.
Certa vez participei da cerimônia de psso de um prefeito evangélico. Em dado momento, um pastor pediu para dar um testemunho. Ele disse que Deus lhe havia falado que aquele irmão seria eleito. Convencido disto, “profetizou” sua eleição diante de sua igreja e amigos, presumindo que Deus lhe havia falado. Depois de sua “profecia”, porém, as pesquisas eleitorais começaram a apontar o fato de que a candidatura daquele irmão começou a despencar, e este pastor que teria recebido a palavra de Deus, disse que foi orar e disse: “Senhor, não permita que a honra e a reputação de teu servo seja jogada no lixo. Honra o teu servo!”. Aquele prefeito eventualmente foi eleito.
Ouvindo e refletindo, contudo, sobre este “testemunho”, percebi algumas coisas muito complexas:
  1. Este irmão não precisava temer, de Deus de fato falou, porque quando ele fala, o cumprimento não se dá em razão das coisas favoráveis ou não;
  2. Este irmão não precisava temer sua reputação, porque o que estava em honra não era esta questão, mas sim a glória de Deus. Afinal, que Deus é este que fala e sua palavra não se cumpre? Deveríamos temer ou confiar num Deus deste?

Conclusão:


Deus fala pouco! Mas o que fala é suficiente para nos tornar sábios para a salvação. Deus aparentemente se silencia nos dias maus, e eventualmente desejaríamos ouvir mais dele, saber qual é sua vontade e que atitude tomar, mas não precisamos. Deus age por princípios que ele mesmo estabeleceu, e pela palavra que ele proferiu. Diante da sua palavra, devemos agir com santa submissão e obediência e podemos descansar plenamente e devemos confiar inteiramente na sua direção. E quando ele falar, quando quiser, e se o quiser fazer, sua palavra que é fogo e martelo, nunca voltará vazia, mas fará tudo aquilo que apraz aos seus santos decretos e propósitos, afinal, “os dons e a vocação de Deus, são irrevogáveis”(Rm 11.29). 

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