Introdução:
Existem alguns temas
nas Escrituras que são difíceis de conciliar:
- Como o Deus Pai, Filho, Espírito
Santo podem ser três pessoas subsistindo em forma de uma só?
- Como conciliar a pessoa
teantrópica de Cristo. Ao mesmo tempo 100% humano e 100% divino?
- Como a responsabilidade humana e
a soberania de Deus podem andar juntas?
- Se Deus sabe de todas as coisas
antes que a peçamos, por que pedir, e ainda mais difícil: Se oração não
muda o coração de Deus, por que orar?
No Livro: Evangelização e soberania de Deus, J.I.
PACKER[1],
o autor procura tratar destas questões. Se Deus controla todas as coisas, por
que evangelizar? A soberania de Deus enfraquece a Evangelização? Há contradição entre Predestinação e
Evangelização?
Para Packer, trata-se de um antinômio da revelação
de Deus contida na Bíblia. Um antinômio não é um paradoxo, mas “Uma contradição entre conclusões que
parecem igualmente lógicas, razoáveis, ou necessárias”. Naturalmente trata-se
de uma contradição aparente, e há razões para se crer tanto numa quanto na
outra. No paradoxo, não são os fatos que dão idéia de contradição, mas as
palavras.
Eis alguns exemplos de paradoxos:
“Sou
livre, quando sou escravo”
“Entristecidos,
mas sempre alegres”
“Nada
tendo, mas possuindo tudo”.
Nestes casos, diz Packer, a contradição é verbal, não real. Isto é paradoxo.
No antinômio, precisamos aceitá-lo como ele é, e
aprender a viver com ele. É algo que não compreendemos no presente, mas que são
complementares.
Por exemplo, na física escalada, 1 + 1+ 1= 3, mas
nos números vetoriais, o resultado pode ser 1. Quando falamos de paralelas, pensamos em duas linhas retas
que andam juntas e nunca se tocam, mas quando vamos para física quântica
sabemos as paralelas se tocam no infinito.
Considere, portanto,
dois atributos de Deus: Ele é ao mesmo tempo juiz e rei. Como juiz, o ser
humano torna-se responsável pelas escolhas morais que faz e é julgado por elas.
Como rei, Deus é soberano: Ele ordena,
governa e controla todas as coisas, e nada acontece sem sua ordem,
inclusive no plano da salvação, já que ele escolhe e predestina para a
salvação.
A Bíblia trata as
duas coisas de forma simultânea, sem nenhuma crise. Se o homem não reconhecer o
Jesus como Filho de Deus, Salvador, está eternamente perdido (Jo 3.18), mas ao
mesmo tempo a Palavra de Deus nos afirma que são salvos todos aqueles que foram
“destinados à vida eterna” (At 13.48). No entanto, precisamos manter com igual
ênfase as duas verdades aparentemente conflitantes. Deus é juiz soberano, as
pessoas serão condenadas se não obedecerem ao que Ele diz. Serão condenadas
porque rejeitaram a salvação, por meio de Jesus, que Ele nos ofereceu.
Em Rm 9, vemos um tratado tremendo sobre os “decretus horribilis”, Paulo afirma que
não depende de quem quer, nem de quem corre, mas de Deus usar sua misericórdia.
(Rm 9.16) Afirma ainda que Deus odiou Esaú, antes dele ter nascido, “para que,
o propósito de Deus quanto à eleição, prevalecesse” (Rm 9.11). Estas afirmações
são fortes e soam agressivas para o homem. No entanto, quando entramos no
capítulo 10, o mesmo Paulo que fala tão seriamente da escolha de Deus, está
orando pela conversão dos judeus (Rm 10.1), e afirma que é necessário pregar,
pois sem a pregação do Evangelho, o homem não pode se converter e ser salvo.
Por isto é necessário pregar (Rm 10.11-14).
Você crê na soberania de Deus? Packer afirma que
cremos, por duas razões:
1. Deus é soberano no mundo por ele criado. É por
isso que oramos porque sabemos que Deus é soberano. Se não entendermos que Deus
controla todas as coisas, não faz sentido orar.
2. Deus é soberano na salvação.
a. Você dá graças por
sua salvação?
b. Você ora pela
salvação dos outros?
Estas duas atitudes
naturais do homem de fé indicam que de fato cremos que Deus é soberano. Deus é
soberano no mundo por ele criado, por isso oramos. Deus é soberano na salvação,
por isto agradecemos a salvação.
Packer adverte, que existem dois perigos quando
não consideramos estes dois lados da questão:
1 – Preocupação exclusiva com a responsabilidade
humana – Afirmamos que os homens são responsáveis e nos esquecemos que o homem
sem Cristo está morto, incapaz de se inclinar para Deus, e que somente com o toque
do Espírito Santo ele poderá se voltar a Deus. E somente através da graça de
Deus ele poderá reviver espiritualmente. Precisamos sempre lembrar que usamos
nossos dons e talentos, evangelizamos, mas somos apenas instrumentos:
At
13.48;
2Tm
2.10;
Tt
1.1;
Quando só olhamos
para a responsabilidade humana, nos esquecermos de que é Deus quem faz, e
deixamos de glorificá-lo. Podemos usar todos os meios para convencer pessoas a
se renderem a Cristo, como Paulo faz em 1 Co 9.19-23, mas na evangelização,
precisamos entender que a soberania de Deus deve nos orientar no planejamento,
oração e na ação.
Podemos chamar este
risco de “Antropocentrismo Arminiano”, por colocar a ênfase na ação do homem,
tirando a glória de Deus.
2
– Preocupação exclusiva com a soberania de Deus. Os resultados negativos surgem imediatamente:
·
Enfraquecimento da oração – Se Deus é
quem faz, por que orar?
·
Perda do impulso evangelístico – Não
sinto a responsabilidade de pregar
·
Perda da sensibilidade com o próximo
- Não me aproximo do pecador para lhe
compartilhar as boas novas. Torno-me passível em relação ao mandato
missionário.
Ilustração I: Certo fazendeiro calvinista se
aproximou do seu vizinho metodista, que estava com uma lavoura muito bonita e
lhe disse: “É meu irmão, Deus é realmente soberano e bom, veja como está sua
plantação. A soja está bonita... Deus manda chuva no tempo certo e controla
todas as coisas”. O arminiano respondeu: “É... eu sei que Deus é bom, mas não
fosse a gente arrancar o mato, tirar os cupins, semear a cultivar a semente,
acho que não teríamos esta lavoura bonita que temos aqui...” A preocupação
exclusiva com a soberania de Deus, não traduz a mentalidade apostólica e
bíblica.
Ilustração II: Dois séculos atrás, Willian Carey
procurou o diretor da fraternidade de ministros da Inglaterra para falar do seu
chamado missionário. A resposta foi: “Quando Deus quiser converter os pagãos,
ele o fará sem a sua ajuda ou a minha”.
O calvinismo fatalista, não leva em consideração
todos os lados da salvação, que inclui a eleição divina e a responsabilidade
humana.
Como
corrigir estas distorções?
A prevenção se dá quando cremos nas duas doutrinas
e a mantemos diante de nós, igual e constantemente enfatizadas, para orientação
e governo de nossas vidas.
Fl 2.12.14 é um texto
que pode ser usado para nos esclarecer.
Ele nos desafia a
“desenvolver nossa salvação”, e isto parece indicar uma ação humana. Mas ao
mesmo tempo afirma que “Deus é quem efetua em nós tanto o querer (vontade),
como o realizar (prática)”. Isto se refere á operação de Deus. Ele age na
salvação e na santificação, mas a responsabilidade do versículo 12 recai,
aparentemente, no homem. Nós precisamos usar com igual ênfase as duas verdades
aparentemente conflitantes.
Perguntaram a C. H. Spurgeon. “como o Senhor seria
capaz de reconciliar estas duas verdades?, e ele respondeu: “- Nunca! Elas não
são inimigas e eu não preciso reconciliar amigos”.
Packer
elabora algumas proposições, negativas e positivas|:
Quatro
proposições negativas:
1.
A graça de Deus, soberana, não
compromete nada sobre a natureza
da evangelização. Evangelizar é
necessário. Nenhum ser humano pode ser salvo sem evangelização. (Rm 10.9-12).
Quando Deus nos envia para pregar isto faz parte do seu propósito e estratégia
para salvar a humanidade. Jesus cria na soberania de Deus, e pregava a
salvação.
2.
A crença de que Deus é soberano, não
afeta a urgência da
evangelização. Sem Jesus, o homem sem Deus está perdido e só lhe resta a
condenação e o inferno. “Os campos estão brancos” – é tempo de colheita!
3.
A crença na soberania não afeta a sinceridade do apelo. Nós não
somos hipócritas, mesmo quando sabemos que salvação é obra de Deus no coração
do pecador e apelamos por sua conversão. “Todo aquele que invocar o nome do
Senhor, será salvo” (Rm 10.13), e o método de Deus é usar seus servos: “Como
crerão se não há quem pregue?”.
4.
A crença na soberania não afeta a responsabilidade do pecador. Em toda Escritura
vemos que homem está perdido se rejeitar a salvação. Ez 18.31; Jo 3.19; 5.40.
Hb 2.3: “Como escaparemos se
negligenciarmos tão grande salvação?”
Proposição
Positiva:
1.
A soberania nos fornece a única esperança de sucesso na
Evangelização. Por que haverá colheitas?
Porque há eleitos. O homem carnal, sem a operação do Espírito Santo, não pode
entender, nem aceitar as coisas do Espírito. Será que, através da oratória,
podemos ressuscitar o homem que está morto em seus delitos e pecados? Como
empreendimento humano, a tarefa da evangelização é impossível. Fé é dom de Deus
(Ef 2.8-9; At 11.18; 18.9; Jo 6.44)
Ao
evangelizarmos, cremos na Chamada Eficaz
que o Espírito Santo faz ao pecador. Por isto pregamos nesta promessa de Deus.
Esta proposição gera três efeitos em nossas vidas
a.
Nos torna ousados – O homem mais
empedernido, ao ser tocado pelo Espírito Santo, se eleito, responderá a este
maravilhoso chamado que Deus lhe faz. Portanto, nenhum homem, por mais distante
que pareça, não pode ser alcançado pela graça de Deus. A graça de Deus pode
salvar qualquer homem em qualquer circunstância.
b.
Nos torna pacientes – Deus salva a seu
tempo. Enquanto isto, semeamos com lágrimas e oramos pelos pecadores (Rm 10.1).
c.
Nos torna homens de oração – Oração é
a confissão de nossa impotência e necessidade (2 Ts 3.1). Pregação e oração
devem andar juntas.
Conclusão:
Perguntaram
a Adoniram Judson, numa das masmorras da antiga Birmânia (atual Mianmar), quais
as possibilidades do evangelho fazer qualquer diferença na vida dos homens
pecadores e depravados, e elas se converterem? Sua resposta foi: “As possibilidades
são tão grande quanto as promessas de Deus”.
3.
Que aplicações práticas você pode extrair, a partir da leitura, para sua
vida e para seu ministério?
Questões
para discussão:
1. 1. A partir do texto, levante três questões
dialéticas que desafia o pensar teológico quando se trata da evangelização e
predestinação;
2. 2. Quais os riscos para a igreja com o
hiper-calvinismo e quais os efeitos teológicos quando se nega a eleição
incondicional?
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