quarta-feira, 24 de julho de 2013

A Igreja Missional



Introdução:

A agência Missionária SIL, cuja sede brasileira está em Anápolis-GO, se reunirá no inicio de Agosto de 2013, para um congresso de obreiros e líderes, com o tema Joining in what God is doing. Esta é uma proposta bem identificada com a idéia de igreja missional, o tema que agora estamos propondo.
Existem hoje dois temas bem atualizados em missiologia. Trata-se da questão missionária e da questão missional. Termos similares que abrigam algumas diferenças de essência.
Quando se fala em igreja missionária pensa-se no envio de obreiros a regiões onde o evangelho ainda não foi pregado, e povos não alcançados. Quando se refere à igreja  missional, pensa-se na participação histórica da igreja nos eventos históricos onde ela se encontra inserida. Portanto temos aqui a necessidade de clarificação.

Igreja missionária
&
Igreja  missional,

Esta discussão enseja outros temas. Qual é o futuro das missões na visão da igreja contemporânea, ou uma igreja adaptada ao Século XXI. Pensa-se em termos de Missionários Profissionais ou Profissionais Missionários?
O primeiro é aquele que é enviado pela igreja, e recebe seu sustento da igreja local ou da denominação. Ele é alguém treinado para uma cultura distinta, para determinados projetos, sejam eles sociais ou evangelísticos, em contextos de diferentes backgrounds lingüísticos e culturais, ou até mesmo ambientes hostis.
O segundo é alguém qualificado academicamente, que coloca sua vida e profissão a serviço do reino. Exemplos antigos podem ser citados. Apenas em Anápolis dois nomes não podem ser esquecidos. Dr. James Fanstone, que veio ao Brasil na década de 20 e aqui fundou o Hospital Evangélico, e Dr. Rettie Wilding, que veio da Inglaterra para trabalhar com a saúde dos nativos na região do Araguaia. São os fazedores de tendas, que à semelhança do Apóstolo Paulo, não dependia de recursos das igrejas para seus projetos, mas viviam no exercício das suas funções, fazendo um link com a sociedade e pregando o evangelho.
Podemos citar alguns exemplos contemporâneos:
O missionário Eliezer Camargo é agrônomo, trabalha no norte da África, desenvolvendo projetos agropecuários, num dos países mais fechados ao Evangelho. Ele e sua esposa tem a tarefa de ensinar as pessoas da região, a plantarem lavouras com maior eficiência e produtividade, e desta forma testemunharem a vida de Jesus para aquelas pessoas.
Recentemente a Uni- Evangélica, em parceria com o Missionário Lidório, criou o projeto Amanajé, curso de Mestrado em Antropologia, com reconhecimento pelo MEC, preparando alunos para o trabalho missionário nas regiões indígenas. A FUNAI está dificultando cada vez mais a aprovação de missionários no meio dos índios, mas precisam de pessoas com formação acadêmica, que possam servir a estes povos. Paga-se bom salário, dão todo apoio para enviar seus funcionários. Então, o caminho parece ser a qualificação de pessoas na área de saúde como Enfermagem, Medicina e Odontologia, e mesmo professores, para trabalharem nestas regiões inóspitas e testemunharem o evangelho de Jesus a estes povos não alcançados.

O debate entre a Igreja missionária e a Igreja missional tem gerado uma boa discussão teológica. Dois nomes de peso já travaram embates sobre este tema, cada um defendendo seu ponto de vista. Ed Startz, que esteve em Agosto/2012, ministrando na conferencia da CTPI, é um ardoroso defensor deste modelo. Idéia originalmente formulada por Leslie Newbigin, que afirmava que o papel da igreja é identificar o mover de Deus na história e se inserir neste movimento, para cooperar com Deus.
Newbigin afirma que devemos aprender a discernir o que o Senhor está fazendo. A igreja missional é aquela que abraça o caráter de Deus. Rick Warren populariza este conceito ao afirmar que “a igreja não é chamada para fazer ondas, mas surfar nas ondas de Deus”. O que Deus tem a ver com os eventos atuais, e como se inserir nesta direção, unindo àquilo que Deus está fazendo.

Isto propõe uma nova perspectiva:

Missionários Profissionais
ou
Profissionais Missionários?


Uma análise no livro de Ester
Para nossa fundamentação teológica, queremos caminhar na direção do livro de Ester. Um livro quase que esquecido das páginas da Bíblia. Quantos sermões você já ouviu a partir deste livro?
O contexto deste livro é a Cidadela de Susã. A mesma na qual Neemias se sente chamado para a reconstrução dos muros de Jerusalém.  Era a residência oficial do rei nos dias de inverno pelo seu excelente clima. O rei Assuero tinha sobre seu comando 127 províncias (Et 1.4), desde a Índia até a Etiópia. Ele era um rei festeiro, e resolveu fazer uma  festa  para seus assessores com a duração de 6 meses, além disto, ainda fez uma festa para o seu próprio povo com a duração de 7 dias, sistema all inclusive (Et 1.8), na qual os  súditos  podiam  beber  e  comer  "sem constrangimento". A rainha Vasti, de uma beleza estonteante, se recusa a comparecer perante o rei quando este solicita. Isto gera um constrangimento no palácio, e para o poderoso rei diante de seus súditos, e seus conselheiros não dão outra opção para o rei, senão cassar a rainha de sua nobreza. Tal medida era preventiva, caso contrário, esta atitude feminista, poderia desencadear outras reações iguais em todas as províncias.
Este incidente ordinário, resultado da intransigência de uma rainha caprichosa e de um rei autoritário, torna-se o pivô para o resgate de um povo que seria massacrado numa terra estranha, como tantos povos já o foram, como recentemente o povo curdo no Iraque.
Uma nova rainha é buscada entre as províncias, para substituir Vasti, e Ester, uma menina órfã, exilada desde a invasão de Nabucodonozor e criada pelo seu tio Mordecai, é a jovem escolhida. O que sabemos de Ester além deste fato é bem pouco conhecida, ela  era de  boa aparência e formosura (Et 2.7) muito simpática, e achou graça diante das  pessoas, desde as jovens que a preparavam até Hegai, o Eunuco de confiança do rei (Et 2.15), que era  o  chefe.  Sábia e prudente, Ester soube como se comportar, não fez exigência alguma e foi nomeada rainha (Et 1.15)
Paralelo à história de Ester, e este desenrolar dramático no governo de Assuero, Hamã, o segundo homem na hierarquia travava um disputa particular com o desconhecido Mordecai, que se recusava a se curvar diante dele por foro íntimo ou questão religiosa quando ele passava desfilando sua glória. Hamã se indignava por isto, pois tal atitude lhe parecia uma afronta e isto muito lhe aborrecia.
Hamã decidi então perseguir o povo de Mordecai, e monta uma estratégia para exterminar o povo judeu, e o rei, sem conhecer muito bem destes meandros e interessado nos benefícios financeiros, não se opôs à idéia e a aprovou. O restante da história pode ser lido no agradável relato que o livro faz.
Ester se tornar uma missionária do cotidiano. Ela que não sabia de nada, é colocada na função de rainha, para libertar seu povo. Mordecai a incita a uma atitude com uma questão central: "Quem sabe se para tal conjuntura como esta  é  que  foste elevada a rainha?" (Et 4.14)
O grande projeto de Deus para o universo sempre foi a encarnação. Quando ele quis abençoar todos os povos, tribos e nações, ele assumiu a forma humana e fez sua tenda entre nós (Jo 1.14). Este é o método de Deus. Da mesma forma, Deus deseja usar hoje o seu povo, para a realização de seu projeto. Esta é a estratégia de Deus!
O livro de Ester, nos ensina algumas lições importantíssimas para nossa vida:

1. Deus tem um plano e está se movendo na história
A recusa de Vasti é prova disto. Deus age sobrenaturalmente na aparente naturalidade dos fatos. Este contratempo nas intrigas palacianas torna-se o meio pelo qual Deus vai proteger seu povo e cumprir seu propósito.
Um antigo hino diz:
“Os seus intentos cumpre Deus no decorrer dos anos,
Ele executa o seu querer, de acordo com seus planos”.

Não podemos ignorar os eventos esporádicos, estranhos e bizarros da vida, mas criar uma impressão de sobrenaturalidade, nos eventos cotidianos. Jó, depois de passar por tantas situações inexplicáveis relacionados á sua própria vida, declara com convicção: “Eu sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos, pode ser frustrado” (Jó 42.2).
Qual é a nossa profissão, qual é a nossa vocação? Deus vai usar seu currículo para a glória dele, e para execução de seus planos. Precisamos apenas nos dispor e dizer: “Eis-me aqui. Senhor, envia-me a mim”.

2.  Deus nos proíbe fechar os olhos e ficar em silêncio -
Ester parece ter o impulso da omissão, alegando sua impotência diante de algo tão grandioso, mas Mordecai faz questão de alertá-la sobre o impulso de se servir do cargo para usá-lo  em  benefício próprio."Mandou dizer-lhe: Não pense que pelo fato de estar no palácio do rei, você será a única entre os judeus que escapará, pois, se você ficar calada nesta hora, socorro e livramento surgirão de outra parte para os judeus, mas você e a família do seu pai morrerão. Quem sabe se não foi para um momento como este que você chegou à posição de rainha?” (ET 4.14-15).
O silêncio e a omissão podem ser fatais para a igreja de Cristo, chamada para ser o corpo de Cristo na terra: Voz, braços, mãos, ouvidos...
M.L.King Jr, ativista negro que transformou a história dos Estados Unidos era um pastor, mas um homem com profunda dor ao ver como os negros eram tratados, então, escreve da prisão, uma dura carta aos seus colegas de ministério, que eram da igreja Batista do Sul: "A história terá que registrar que  a  maior  tragédia  deste período de transição social não foram as palavras e atos  violentos  de gente ruim, mas o silêncio e a indiferença de gente boa. Nossa geração terá que se arrepender, não só das palavras e atos dos filhos das trevas mas também dos receios e apatias dos filhos  da  luz".  Henry Niemuller fez parte do grupo de cristãos que se colocaram contra a política de extermínio de Hitler. Ele criou um bordão para incomodar pessoas assentadas confortáveis no seu silêncio e apatia. “Primeiro vieram buscar os anarquistas, mas como eu não anarquista, não me importei; depois vieram buscar os comunistas, mas como eu não comunista, não me importei; depois vieram buscar os judeus, mas como não sou judeu, não me importei; e agora vieram buscar a mim, e ninguém se importa”.  

3.  Todo confronto põe em risco a integridade física -
Ester sente o peso de sua tarefa: Então Ester mandou esta resposta a Mardoqueu:Vá reunir todos os judeus que estão em Susã, e jejuem em meu favor. Não comam nem bebam durante três dias e três noites. Eu e minhas criadas jejuaremos como vocês. Depois disso irei ao rei, ainda que seja contra a lei. Se eu tiver que morrer, morrerei” (Et 4.15,16).
Não existe confronto e engajamento sem risco. Existir é um risco. “viver é perigoso” como dizia Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa em Grande sertões: veredas. Ser uma igreja participante na história traz riscos. Em At 4.19 vemos a desobediência voluntária e consciente da igreja de Cristo, ao serem proibidos pelo Sinédrio, de pregar o evangelho. Francis Schaeffer afirma que "Há momentos em que não apenas podemos desobedecer as autoridades, mas devemos fazê-lo".
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4.Nenhuma decisão será eficaz sem engajamento comunitário -
O texto nos mostra que duas posições, com ações claras e objetivas foram tomadas:

a)- É necessário buscar a direção de Deus - Vá reunir todos os judeus que estão em Susã, e jejuem em meu favor” (Et 4.15,16). "três dias de jejum". Quais foram os efeitos desta oração?
Em todo momento histórico, a igreja deve buscar seu refugio e fortaleza em Deus, até mesmo para morrer, se necessário for. "Quando oramos movemos os céus, o inferno treme, e alguma coisa acontece na terra" (Pr. Jeremias Pereira).

b)- É necessário engajamento – Mordecai fica por perto, cobra postura, não aceita o “cala-boca” que Ester lhe manda. Ele sabe que as pessoas no palácio tendem a se isolar. Ester, por sua vez, cria uma estratégia de ação, convidando Hamã e o rei para um jantar em seu palácio. Não age impulsiva, mas estrategicamente.
Este é o papel da comunidade. Precisa assessor os que se encontram em posição de destaque.

c)- A Igreja precisa exercer sua função profética – Aqui representada na figura de Mordecai, que faz um verdadeiro movimento  de  protesto  quando  Ester  lhe manda ficar calado. A hora não era de enviar um agrado, era mesmo de pano de saco e cinza. Mordecai recusa, não se deixa subornar, não aceita presente para ficar calado e aponta os erros.
Deus transformou a tragédia em vitória. Deus mudou os rumos históricos, em vez de "Pur", sortes (Et 9.24), surgiu o "purim", libertação (Et 9.32).

Conclusão:

Deus age na história usando seus instrumentos. “Se de todo te calares”. Precisamos identificar este mover de Deus e cooperar no chamado que ele nos tem feito.

A discussão entre igreja missionária e missional, parece-me desnecessária. Ela precisa ser missionária, enviando, sustentando, apoiando projetos; e precisa ser missional, envolvendo-se, participando, nos desafios que Deus levanta na história. 

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