Este estudo é uma síntese, com algumas colocações pessoais, do No livro The Protestant Gnostic, de
Philipe J. Lee (New York, Oxford University Press, 1987, Lee fala de seis
aspectos que apontam para a tendência de uma espiritualidade moderna, mas que
na verdade, tem suas raízes na heresia gnóstica do Século IV. São elas:
Alienação: Da gratidão
para o desespero
Por não perceberem o universo como expressão
do próprio Deus que se revela na história, criação e destino humano não estão
sobre o controle de uma divindade, mas segue uma intrincada interação de
biologia, química, psicologia, sociologia e genéticas forças que operam sem uma
inteligência superior ou mesmo razão. Por crerem que o universo existe por si
mesmo e não é criado, perdeu-se o senso de admiração e gratidão. As pessoas,
conservadores ou liberais, encontram cada vez mais dificuldade em crer no
universo como uma benção de Deus.
Por conseguinte, não são capazes
de expressar gratidão.
No Thanksgiving Day (Dia Nacional
de Ações de graças), que é a data americana mais comemorada que qualquer outra,
as pessoas assumem uma atitude de gratidão, mas não sabem ao certo a quem
agradecer.
Schaeffer afirma que o maior
sofrimento do ímpio é assentar-se à mesa, saber que ele é fruto da graça de
alguém superior, mas não ser capaz de agradecer aquele que faz todas as coisas
e liberalmente dá todas as coisas.
Gnosticismo Protestante: Da Revelação
Para a Iluminação Privada
A segunda característica tem a
ver com o fato de que se perdeu o senso de revelação, de um evento santo que se
manifestou na história. Deus está lá (se é que ele existe), e não dialoga com
seres humanos. Lee afirma que “a diferença entre o conhecimento ortodoxo e o
gnóstico é a diferença entre a revelação aberta e a revelação secreta.
O cristianismo é conhecido por
ser uma fé revelativa. O que sabemos de Deus é aquilo que ele quis revelar
acerca de si mesmo. “As coisas reveladas pertencem a nós e a nossos filhos, as
encobertas pertencem a Deus”. (Dt 29.29). O cristianismo bíblico não é uma
formulação teológica (teodiceia), fruto de especulação humano, mas possui uma
fé revelada. “Tendo Deus, outrora falado, muitas vezes, de muitas maneiras, aos
pais, pelos profetas; ultimamente nos tem falado por meio de seu Filho” (Hb
1.1).
Esta é uma tendência moderna que
encontra grande aceitação numa cosmovisão marcada pela presença budista, que
afirma que a verdade não está lá fora, mas dentro de cada um de nós. O budismo concebe Deus como uma realidade
interna. Existe um “pequeno Deus” em nós, e que
precisamos encontrar a verdade que se encontra dentro. A verdade não é algo que
se percebe fora do individuo, mas dentro dele.
A
belíssima música de Almir Sater e Paulo Simões, “o vento e o tempo” fala disto:
Por mais que tente
Não entendo
Todo mundo enlouquecendo
Quem é que está com a razão
Não entendo
Todo mundo enlouquecendo
Quem é que está com a razão
E tanta gente ainda lendo
Velho e novo testamento
Sem compreender a lição
Velho e novo testamento
Sem compreender a lição
Verdade é voz que vem de dentro
E mata a sede dos sedentos
O pior entre os meus sentimentos
De mim foi levado enfim pelo tempo
E mata a sede dos sedentos
O pior entre os meus sentimentos
De mim foi levado enfim pelo tempo
Escapismo Moderno: Da Luta Para a Fuga
Lee afirma: “Para
os puritanos primitivos, e mesmo Jonathan Edwards, seguindo o Calvinismo clássico,
o mundo político, de instituições humanas, era para eles um locus essencial da obra redentiva de Deus”
(pg 124). A vida plena é percebida na história, e não na eternidade
A tendência moderna
da espiritualidade gnóstica é pensar que o conforto, a auto realização, a
prosperidade, são as marcas do discipulado. Para os cristãos, em geral, a luta,
o confronto, o martírio, são as marcas essenciais dos seguidores de Cristo. Não
é sem razão que a teologia da prosperidade tenha alcançado tanto sucesso.
No entanto, as narrativas evangélicas mostram que O ministério de
Jesus não se dá num vácuo político, antes deve ser entendido no contexto que
seu país atravessa, ferido e subjugado pelo poder esmagador de Roma. Seus
interlocutores são conhecidos por nomes e funções, não são neutros ou
incolores, são nacionalistas como Simão, o Zelote; entreguistas como Mateus, o
publicano; são religiosos como os fariseus; comerciantes como os saduceus. As
pessoas que cruzam seus caminhos são conhecidas por nomes e cargos: intérpretes
da lei, escribas, prostitutas, centuriões. "Seu discurso tinha que levar
em conta o conceito atribuído aos vocábulos, as expectativas messiânicas eram
inegavelmente ligadas ao desejo de libertação política. Os textos dos
Evangelhos não podem ser bem entendidos se não se levar em conta o seu tempo.
Os textos não são a-históricos".[1]
Narcisismo: Da
Comunidade Sagrada para o seu eu interior
Por ser uma teologia revelativa,
o cristianismo bíblico não é uma religião auto orientada, ou orientada pelo
self. No entanto, a comunidade pós moderna, e gnóstica, sente-se atraída pela
magia e pelas revelações auto inspiradas. Ao invés de reconhecer a autoridade
da Palavra de Deus, e a comunidade que recebe esta palavra, sente-se atraída pelas
novas experiências do seu eu-interior.
O resultado imediato é a rejeição
da comunidade. Não é difícil as pessoas crerem numa igreja universal, mas tem
se tornado cada vez mais difícil o reconhecimento de uma igreja tangível,
concreta e histórica. Calvino insistia que sem a igreja não há verdade. Quando o
calvinismo defendeu a liberdade da consciência e do livre exame das Escrituras,
não atribui tal prerrogativa a indivíduos, mas à comunidade. Admite-se o livre
exame, não a livre interpretação. Infelizmente o homem moderno tem abandonado o
princípio da igreja local e visível, e quer servir a Deus de acordo com as convicções
e ditames do seu próprio coração.
Elitismo: De muitos
para poucos
Os gnósticos criam que existia um
grupo de pessoas espirituais, os iniciados, os “pneumatikois”, que recebiam as mensagens diretamente de Deus. Elaine
Pagels afirma que, para se tornar verdadeiramente católica (universal), a
igreja rejeitou toda forma de elitismo. Isto ensejou alguns membros deste grupo
elitizado a se julgarem superiores espiritualmente, afinal, eles eram os
receptores das mensagens dadas por Deus.
Sincretismo: Do Específico,
Para o Nebuloso
Outra trágica consequência se deu
na mistificação do conteúdo espiritual. Os antigos gnósticos não achavam exequível
submeter-se à autoridade apostólica. Por que precisariam dos textos sagrados,
mediatizados, se eles se eles teriam acesso direto. Eles não precisavam nem da igreja
nem dos textos sagrados. Para eles, a natureza é sincrética, aceitando uma interminável
quantidade de ideias e imagens. Desta forma, o conceito dogmático e estruturado
pela igreja, tornava-se irrelevante. Nem mesmos os textos sagrados eram
referência única e absoluta. Desenvolveram também um desprezo pelos
sacramentos, que de certa forma limitava novas ideias e conceitos.
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