quinta-feira, 16 de abril de 2015

Curso de apologética - Aula 7 A Espiritualidade gnóstica



Este estudo é uma síntese, com algumas colocações pessoais, do No livro The Protestant Gnostic, de Philipe J. Lee (New York, Oxford University Press, 1987, Lee fala de seis aspectos que apontam para a tendência de uma espiritualidade moderna, mas que na verdade, tem suas raízes na heresia gnóstica do Século IV. São elas:

Alienação: Da gratidão para o desespero
 Por não perceberem o universo como expressão do próprio Deus que se revela na história, criação e destino humano não estão sobre o controle de uma divindade, mas segue uma intrincada interação de biologia, química, psicologia, sociologia e genéticas forças que operam sem uma inteligência superior ou mesmo razão. Por crerem que o universo existe por si mesmo e não é criado, perdeu-se o senso de admiração e gratidão. As pessoas, conservadores ou liberais, encontram cada vez mais dificuldade em crer no universo como uma benção de Deus.
Por conseguinte, não são capazes de expressar gratidão.
No Thanksgiving Day (Dia Nacional de Ações de graças), que é a data americana mais comemorada que qualquer outra, as pessoas assumem uma atitude de gratidão, mas não sabem ao certo a quem agradecer.
Schaeffer afirma que o maior sofrimento do ímpio é assentar-se à mesa, saber que ele é fruto da graça de alguém superior, mas não ser capaz de agradecer aquele que faz todas as coisas e liberalmente dá todas as coisas.

Gnosticismo Protestante: Da Revelação Para a Iluminação Privada
A segunda característica tem a ver com o fato de que se perdeu o senso de revelação, de um evento santo que se manifestou na história. Deus está lá (se é que ele existe), e não dialoga com seres humanos. Lee afirma que “a diferença entre o conhecimento ortodoxo e o gnóstico é a diferença entre a revelação aberta e a revelação secreta.
O cristianismo é conhecido por ser uma fé revelativa. O que sabemos de Deus é aquilo que ele quis revelar acerca de si mesmo. “As coisas reveladas pertencem a nós e a nossos filhos, as encobertas pertencem a Deus”. (Dt 29.29). O cristianismo bíblico não é uma formulação teológica (teodiceia), fruto de especulação humano, mas possui uma fé revelada. “Tendo Deus, outrora falado, muitas vezes, de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas; ultimamente nos tem falado por meio de seu Filho” (Hb 1.1).
Esta é uma tendência moderna que encontra grande aceitação numa cosmovisão marcada pela presença budista, que afirma que a verdade não está lá fora, mas dentro de cada um de nós.  O budismo concebe Deus como uma realidade interna. Existe um “pequeno Deus” em nós, e que precisamos encontrar a verdade que se encontra dentro. A verdade não é algo que se percebe fora do individuo, mas dentro dele.
A belíssima música de Almir Sater e Paulo Simões, “o vento e o tempo” fala disto:
Por mais que tente
Não entendo
Todo mundo enlouquecendo
Quem é que está com a razão
E tanta gente ainda lendo
Velho e novo testamento
Sem compreender a lição
Verdade é voz que vem de dentro
E mata a sede dos sedentos
O pior entre os meus sentimentos
De mim foi levado enfim pelo tempo




Escapismo Moderno: Da Luta Para a Fuga

Lee afirma: “Para os puritanos primitivos, e mesmo Jonathan Edwards, seguindo o Calvinismo clássico, o mundo político, de instituições humanas, era para eles um locus essencial da obra redentiva de Deus” (pg 124). A vida plena é percebida na história, e não na eternidade
A tendência moderna da espiritualidade gnóstica é pensar que o conforto, a auto realização, a prosperidade, são as marcas do discipulado. Para os cristãos, em geral, a luta, o confronto, o martírio, são as marcas essenciais dos seguidores de Cristo. Não é sem razão que a teologia da prosperidade tenha alcançado tanto sucesso.
No entanto, as narrativas evangélicas mostram que O ministério de Jesus não se dá num vácuo político, antes deve ser entendido no contexto que seu país atravessa, ferido e subjugado pelo poder esmagador de Roma. Seus interlocutores são conhecidos por nomes e funções, não são neutros ou incolores, são nacionalistas como Simão, o Zelote; entreguistas como Mateus, o publicano; são religiosos como os fariseus; comerciantes como os saduceus. As pessoas que cruzam seus caminhos são conhecidas por nomes e cargos: intérpretes da lei, escribas, prostitutas, centuriões. "Seu discurso tinha que levar em conta o conceito atribuído aos vocábulos, as expectativas messiânicas eram inegavelmente ligadas ao desejo de libertação política. Os textos dos Evangelhos não podem ser bem entendidos se não se levar em conta o seu tempo. Os textos não são a-históricos".[1]

Narcisismo: Da Comunidade Sagrada para o seu eu interior
Por ser uma teologia revelativa, o cristianismo bíblico não é uma religião auto orientada, ou orientada pelo self. No entanto, a comunidade pós moderna, e gnóstica, sente-se atraída pela magia e pelas revelações auto inspiradas. Ao invés de reconhecer a autoridade da Palavra de Deus, e a comunidade que recebe esta palavra, sente-se atraída pelas novas experiências do seu eu-interior.
O resultado imediato é a rejeição da comunidade. Não é difícil as pessoas crerem numa igreja universal, mas tem se tornado cada vez mais difícil o reconhecimento de uma igreja tangível, concreta e histórica. Calvino insistia que sem a igreja não há verdade. Quando o calvinismo defendeu a liberdade da consciência e do livre exame das Escrituras, não atribui tal prerrogativa a indivíduos, mas à comunidade. Admite-se o livre exame, não a livre interpretação. Infelizmente o homem moderno tem abandonado o princípio da igreja local e visível, e quer servir a Deus de acordo com as convicções e ditames do seu próprio coração.

Elitismo: De muitos para poucos
Os gnósticos criam que existia um grupo de pessoas espirituais, os iniciados, os “pneumatikois”, que recebiam as mensagens diretamente de Deus. Elaine Pagels afirma que, para se tornar verdadeiramente católica (universal), a igreja rejeitou toda forma de elitismo. Isto ensejou alguns membros deste grupo elitizado a se julgarem superiores espiritualmente, afinal, eles eram os receptores das mensagens dadas por Deus.

Sincretismo: Do Específico, Para o Nebuloso

Outra trágica consequência se deu na mistificação do conteúdo espiritual. Os antigos gnósticos não achavam exequível submeter-se à autoridade apostólica. Por que precisariam dos textos sagrados, mediatizados, se eles se eles teriam acesso direto. Eles não precisavam nem da igreja nem dos textos sagrados. Para eles, a natureza é sincrética, aceitando uma interminável quantidade de ideias e imagens. Desta forma, o conceito dogmático e estruturado pela igreja, tornava-se irrelevante. Nem mesmos os textos sagrados eram referência única e absoluta. Desenvolveram também um desprezo pelos sacramentos, que de certa forma limitava novas ideias e conceitos.





[1]. CAVALCANTE., Robinson - Op. cit. pg. 52

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